quarta-feira, 30 de julho de 2008

Amordaçada

Foto: achada na Internet

Nem todos os dias são bons. Os últimos então! É impressionante como algumas pessoas têm o poder de transformar a vida dos outros num inferno. Fico pensando em qual será o prazer sádico que alguns sentem em humilhar, maltratar, dificultar e até mesmo azucrinar a vida alheia.
Se já não bastassem os problemas cotidianos, tem gente que teima em piorá-los. Daí, algo que demoraria uma hora, demora três; o que seria feito de bom grado, passa a ser feito de cara feia, ou triste; o que era prazer, vira sacrifício; e a comédia se transforma em drama.
Fico pensando no porquê das pessoas fazerem coisas ruins. Às vezes imagino que elas fazem isso sem perceber que estão prejudicando ou chateado as outras, aí, analiso direito e vejo que realmente algumas pessoas fazem coisas ruins e pronto. Fazem porque fazem. Fazem porque gostam. Fazem porque necessitam se sentir por cima, porque precisam pisar nos outros. Creio que alguns fazem só para sentir que tem alguém que sofre.
E quando penso que finalmente fizeram tudo de baixo que poderiam fazer, elas aparecem com coisas ainda piores. E sabe o que é pior? É saber que não se pode fazer muita coisa para que isso pare. Muitas vezes, temos mordaças invisíveis. Essas são as piores, são essas mordaças que nos estouram por dentro.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

O mundo é grande

Foto: Mayara Vila Boa


“O mundo é grande
Para nossos desencontros”

É sempre muito bom viajar e esse fim de semana voltei a um lugar que gosto muito: Chapada dos Veadeiros. Quando chegamos, eu e meus amigos fomos ao Vale da Lua. Quando estávamos descendo a trilha, olhei para cima e fiquei maravilhada. Vi uma serra, mas era uma serra tão grande, tão alta. Eu me senti tão pequena olhando pra aquilo ali na minha frente. E aquela visão me acalmou. Naquela hora eu me senti insignificante, como se ninguém precisasse de mim. E, ao mesmo tempo eu me sentia parte de um todo muito maior. Era como se eu fosse uma pequenina parte de tudo aquilo de que é feito o mundo. Me senti inserida em algo muito maior do que a minha pequenina vida. Uma calma foi invadindo a minha alma e uma certeza de que tudo vai dar certo.
O Vale da Lua tem umas rochas que parecem crateras lunares. Ficamos andando em cima das pedras e entre uma fenda e outra, dava para ver a água correndo lá em baixo. A mesma água que ajudou a abrir buracos nas pedras sempre arruma um jeito de seguir seu curso. Olhava aquilo e pensava o quanto as coisas são maravilhosas.

“A arte é longa
A vida breve e fim”

Ficamos hospedados na vila de São Jorge. 600 habitantes, ruas de terra e lugar de encontro de pessoas de diferentes estilos, desde ricos que chegam de helicóptero à hippes que dormem em barracas. Era lá que estava acontecendo o VIII Festival de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros.
O Festival é algo riquíssimo para que possamos entender nossas origens e raízes. No palco não se apresentam artistas famosos, mas grandes artistas: comunidades que preservam traços de cultura popular. Kalungas, índios, Irmandades, homens e mulheres da lida, da roça, de pequenos povoados. Batuques, catiras, canções de folia, Coco, viola. Cores, muitas cores em cena. Gente que reza cantando, gente que canta pra manter a tradição, gente que teatraliza coisas que aconteceram há tempos, como a guerra entre mouros e cristãos. Velhos e jovens todos juntos.

“Mas como pode um mar assim tão grande
Caber num mundo tão pequeno assim”

Fomos visitar o parque da Chapada dos Veadeiros e durante todo o trajeto, não conseguia parar de pensar numa música chamada “Artelonga”, cantada pelo Geraldo Azevedo. Ficava pensando em como podem belezas tão lindas como as da reserva caberem num mundo tão pequeno assim. Cachoeiras, vales, serras, corredeiras, flores, árvores... Tivemos uma aula de geografia e história dada pelo nosso guia enquanto andávamos 9 quilômetros. Pangéia , colonização do Cerrado, causos locais. Fiquei impressionada com a história de um guia que foi salvar uma menininha que foi arrastada por uma tromba d’água e morreu afogado. Outra coisa que me chamou a atenção foi o preço que eram vendidos os cristais quando lá ainda era um garimpo. Fiquei pensando em como o ser humano não dá valor às coisas belas da vida.

“Meu violão não pesa muito
Carrega tantas canções”

Noite. Mais apresentações. Acho que o mais importante e o que mais gostava era de ficar olhando para o rosto das pessoas enquanto estavam no palco. Era o dia de glória daqueles que geralmente ficam esquecidas. Gente humilde que provavelmente poucas chances teve de sair de sua comunidade e, que agora se apresenta diante de uma platéia que assiste atenta e se delicia com tudo o que eles têm pra nos mostrar. Nisso tudo, um senhor me chamou a atenção, ele cantava com os olhos fechados, chapéu apertado contra o peito. Parecia que ele não cantava pra gente, mas para o céu...

“Fico pensando se um amor dos grandes
Pode habitar pequenos corações”

Tudo correu bem em São Jorge. Só um velho é que morreu engasgado com biscoito! Mas isso foi só para rimar com oito numa música do Pereira da Viola. E por falar nele, que cantor! Muito bom. Entre músicas e poesias fez meu coração bater mais forte. Em determinado momento do show, ele recitou versos que ele atribuiu ao poeta João. Neles, ele dizia que o amor é como um pássaro que voa, voa livre. E logo mais ele emendou outra em que dizia que o amor é como as asas de um pássaro, enquanto uma fica, a outra voa, livre sem destino certo. Fiquei pensando no presente. E todo o público terminou a noite dançando de mãos dadas em uma grande roda.

“Meu sapato carregado de distâncias
O meu chapéu de sonhos sem fim
Fico pensando e por mais que eu ande
Eu não consigo me afastar de mim”


Música: Artelonga, de Renato Rocha e Geraldo Amaral.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

E agora, quem escolhe o seu par perfeito? A ciência ou o coração?


Imagine que você liga a televisão e está passando uma propaganda estilo aquelas que vendem aparelhos de abdominal, ou remédios para emagrecer. Mas essa propaganda oferece algo muito melhor: o parceiro perfeito com quem você viverá eternamente feliz!
Entra uma mulher sorrindo e diz: “Eu estava fadada à solteirice perpétua, mas um dia, fiquei sabendo do ‘Gene Partner’, anunciei meu material genético e encontrei o homem da minha vida! Nos casamos mês passado e sinto que viveremos felizes para sempre!”
Incrédulo, você liga o rádio e ouve uma voz masculina falando: “Eu tinha crises de solteirice aguda, mas fiz o teste de DNA da ‘Gene Partner’ e encontrei a mulher dos meus sonhos. Agora, não estou mais sozinho. Funciona!”
É, é isso que anda prometendo um site suíço chamado Gene Partner. O negócio é simples: o internauta recebe o material de coleta em casa, colhe amostras de saliva e as envia para um laboratório, onde é analisado. Os cientistas fazem exames de DNA e traçam o perfil da pessoa. E pronto! O internauta recebe um número de identificação que permite que ele compare o DNA dele com os de outros usuários do serviço.
Nessa hora aparece um cara gritando (naquele comercial de TV do início do texto) como se essa fosse a maior maravilha do mundo: “Veja as facilidades do ‘Gene Partner’: com ele você não precisa sair de casa para encontrar o amor da sua vida! Nada de perda de tempo, nada de agüentar pretendentes que não se parecem com você! Nada de desilusões amorosas! Nós temos a solução: faça um teste de DNA conosco e ache o parceiro perfeito!”
Achei simplesmente ridículo quando li, no site G1, a notícia sobre o ‘Gene Partner’. Sim, é verdade. Tirando os meus exageros criativos, é verdade que um site quer juntar as pessoas pelo DNA! Em que mundo estamos? Será que as pessoas perderam completamente a capacidade de se relacionarem e precisam fazer um teste em laboratório para achar o par perfeito? Será que as pessoas acham que assim elas se livrarão das brigas e chateações comuns da vida a dois? Será que o amor, que é uma das únicas coisas que ainda passam pelo sentimental nesse mundo moderno, agora também vai se bandear para o científico?
Imagine se eu vou trocar a boa e velha paquera por uma amostra de baba colhida e enviada pelos Correios! Imagine se eu vou deixar o meu destino nas mãos de uns cientistas que nem me conhecem! Nada disso me garante uma vida feliz. Ninguém vai me fazer acreditar que tenho que ficar com uma pessoa porque há compatibilidade do meu primeiro ao último cromossomo com os dela. Nessas horas... Ah, nessas horas! Só o coração decide.

Quem quiser ler a matéria este é o link: http://g1.globo.com/Noticias/Tecnologia/0,,MUL688383-6174,00-REDE+SOCIAL+USA+DNA+PARA+ENCONTRAR+AMOR+PERFEITO+PELA+INTERNET.html

segunda-feira, 21 de julho de 2008

O pipoqueiro do cinema

“Amor, quantos caminhos até chegar a um beijo,
que solidão errante até tua companhia!
Seguem os trens sozinhos rodando com a chuva.
Em Taltal não amanhece ainda a primavera.

Mas tu e eu, amor meu, estamos juntos,
juntos desde as roupas às raízes,
juntos de outono, de água, de quadris,
até ser só tu, só eu, juntos.

Pensar que custou tantas pedras que leva o rio,
a desembocadura da água de Boroa,
pensar que separados por trens e nações

tu e eu tínhamos que simplesmente amar-nos,
com todos confundidos, com homens e mulheres,
com a terra que implanta e educa os cravos.” (Pablo Neruda)

Ela terminou de ler os versos, fechou o papel e o comprimiu contra o peito. Seu coração batia descompassado. Ela sorriu e ficou a imaginar quem poderia ter deixado aquele bilhete. Deixou-se ficar na janela, a mesma em que ficava todos os dias, a mesma onde achara o bilhete com seu nome.
Do outro lado da rua, ele sorriu ao ver a cara de satisfação da amada. Há muito tinha notado um sentimento diferente cada vez que ela chegava perto daquela janela. E ele passava horas à fitá-la: seus cabelos longos e encaracolados, seus olhos curiosos, o riso fácil. Percebeu que era amor.
Ele, temendo ser rejeitado por ela, mas não conseguindo mais segurar tanto amor, decidiu fazer algo. Queria escrever uma carta. Tentou uma, duas, três vezes, a noite toda e nada era capaz de traduzir o que sentia. Mas a ajuda viria numa manhã chuvosa em que decidiu ir até a banca de revistas. Em meio a alguns livros usados, achou um que lhe chamou a atenção: “Cem Sonetos de Amor”, de Pablo Neruda. Com certeza, aquilo ajudaria.
Nos próximos dias, ela continuou recebendo os bilhetes. Sempre com poemas de Neruda. E ficava ali a imaginar quem poderia mandá-los. Pensou em todos os rapazes da pequena cidade. “Mas quem teria tanta sensibilidade para mandar coisas tão lindas?”. Uma semana depois, ela decidiu se esconder na sala até que o dono dos bilhetes viesse colocar mais um em sua janela.
Esperou, esperou, até que ouviu um barulho. Era ele. Enfim saberia quem a amava. Com o coração aos pulos, viu, surpresa, o pipoqueiro do cinema deixar um papel, o mesmo que já conhecia, no parapeito da janela. Ela já o tinha visto, é claro. O carrinho de pipocas ficava de lado de fora do cinema bem em frente a casa dela. Mas era como se ela nunca o tivesse percebido ou reparado.
Nos dias seguintes, como de costume, ela passou as tardes na janela, só que dessa vez ela estava concentrada no pipoqueiro do outro lado da rua. No começo, ela o achou engraçado, meio desengonçado, maluquinho até. Usava óculos, cabelos lisos. Sempre lendo um livro. Ela gostava quando ele brincava com as crianças. E assim, ela passou a observá-lo cada vez mais. E os bilhetes continuavam chegando.
Um dia, o pipoqueiro chegou para trabalhar e, no carrinho de pipoca tinha um bilhete com o nome dele.

“No meio da terra afastarei
as esmeraldas para divisar-te
e tu estarás copiando as espigas
com tua pluma de água mensageira.

Que mundo! Que profundo perrexil!
Que nave navegando na doçura!
E tu talvez e eu talvez topázio!
Já divisão não haverá nos sinos.

Já não haverá senão todo o ar liberto,
as maçãs transportadas pelo vento,
o suculento livro da ramagem,

e ali onde respiram os cravos
fundaremos um traje que resista
de um beijo vitorioso a eternidade” (Pablo Neruda)

Ele não acreditava no que acabara de ler. “Ela o tinha descoberto!”. Ele olhou para a janela e ela estava atravessando a rua.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Assim como Dom Quixote

Foto: Mayara Vila Boa
Há alguns dias um amigo, querendo me proteger, me disse que devo parar de sonhar. Que devo colocar os pés no chão e pensar nas coisas imediatas, aquelas que posso tocá-las e não nas que podem acontecer um dia. Na verdade ele acredita que alguns dos meus sonhos são malucos demais, que minhas certezas são infundadas e que essa minha esperança vai me levar a “dar com os burros n’água”.
Depois do banho de água fria, um bloqueio de escritor e dois dias sem ânimo para nada, ontem fui assistir “Sex and the City” no cinema e encontrei a resposta. Não, não, não, a resposta não está no mundo consumista e nas futilidades de Carrie e suas amigas. O “x” da questão está em como elas se arriscam. Vendo as peripécias das quatro mulheres em Nova York pude ver que era isso que eu queria responder ao meu amigo: a vida é um risco.
Carrie se arrisca ao deixar que a cerimônia do casamento seja maior do que o sentimento que a une a Big. Samantha se arrisca entre ficar com o relacionamento estável e morno a se separar e voltar ao mundo das solteiras. Miranda se arrisca entre continuar separada do marido e voltar para tentar uma nova vida sem olhar para trás. Charlotte, bem, essa não se arrisca muito.
Mas a vida é isso aí. É estar na corda bamba o tempo todo. É não saber como será amanhã. É não ter a mínima noção se aquele relacionamento que juramos para sempre hoje durará até o mês que vem. É não saber se o cara que paqueramos vai nos ligar e chamar para sair. A vida é isso e os relacionamentos também. Não é porque uma pessoa está ao meu lado que quer dizer que ela esteja comigo e não é porque ela está longe que não quer dizer que ela não esteja aqui dentro.
Tudo tem 50% de chance de dar errado e 50% de chance de dar certo. E se ficamos com medo vamos pender a balança para a chance de dar errado. A vida encaminha as coisas, mas precisamos dar uma ajudinha, precisamos acreditar em nós mesmo e fazer acontecer. Não sou dada a desistir facilmente. Só costumo desistir depois de fazer tudo o que eu podia fazer para que algo desse certo.
Claro que também quebro a cara com essa minha teimosia, mas até hoje não me arrependo das vezes que tentei. Olho para todos os meus relacionamentos e vejo que tentei até o fim, até quando não podia mais. E quando analiso o sofrimento que o término de cada um deles me causou, penso que foi tudo muito bom para que eu crescesse. Só tenho um arrependimento. De todas as maluquices que já fiz por amor, tenho um único arrependimento. O de não ter tentado uma vez há alguns anos por medo. E isso eu não quero repetir.
Vai ver que sou meio louca mesmo, vai ver que de tanto ler e assistir filmes me tornei assim como Dom Quixote, de Cervantes:

“Em suma, de tanto naquelas leituras se enfrescou, que passava as noites de claro em claro e os dias de escuro em escuro, e assim, de pouco dormir e do muito ler, se lhe secou o cérebro, de maneira que chegou a perder o juízo. Encheu-se lhe a fantasia de tudo o que achava nos livros, assim de encantamentos, como pendências, batalhas, desafios, feridas, requebros, amores, tormentas e disparates impossíveis; e, assentou-se lhe de tal modo na imaginação ser verdade toda aquela máquina de sonhadas invenções que lia, que para ele não havia história mais certa no mundo”.

Vai ver que alguns têm essa sina mesmo: enlouquecer! Então, é só pegar o meu Rocinante e escrever...

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Vaga-lumes

Quadro: Noite Estrelada, Van Gogh
Quando eu era criança, tinha uns quatro ou cinco anos, não me lembro ao certo, minha tia me levava para a fazenda do meu tio avô durante as férias de julho. Íamos eu, ela e minha irmã mais nova. Não me lembro de muita coisa, mas algumas ficaram marcadas para sempre. Gostava de chegar e ver, da porteira, a casa da fazenda. Era grande, imponente na sua simplicidade, o curral ficava à esquerda de quem chegava.
Pelo cheiro, eu percebia que um mundo diferente se descortinava à minha frente. Cheiro de estrume. Sons de mugidos, cacarejar, piados, trote de cavalos. Víamos os homens primeiro. Sempre sujos da lida, botinas enlameadas, chapéus na cabeça, barba por fazer, mãos grossas que seguravam nossas mãos de criança. Depois, as mulheres simples, algumas tão tímidas que se escondiam, boas de papo, doces, com abraços apertados.
Eu me encantava com minha tia avó. Não conseguia imaginar como podia existir uma pessoa tão boa como ela. Um pouco maior que uma criança, cabelos brancos como algodão, uma voz grave e ao mesmo tempo doce. Sempre pronta a agradar qualquer um que chegasse. Me lembro que ela me abraçava, dizia meu nome no diminutivo, o que nenhuma outra pessoa fazia, e dizia que eu estava linda. Eu sorria de orelha a orelha e achava aquele elogio um máximo porque ela sempre enxergou muito pouco. Pensava que talvez ela podia ver o que os outros não viam.
Lembro-me também do desfile de comidas. Nas semanas em que ficávamos lá, eram feitos biscoitos, pães de queijo, doces, bolos, tudo o que uma criança pode gostar. Tudo quentinho e na hora. Achava engraçado quando os homens comiam arroz e feijão no café da manhã antes de ir pra roça. Gostava quando fazíamos pamonha: sempre em dias frios. Os homens cuidavam de todo o trabalho pesado, como colher e carregar o milho, as crianças descascavam e as mulheres executavam todo o resto.
Eu e minha irmã brincávamos o dia todo ora perto da bica d’água, ora perto das jabuticabeiras, ora dentro da casa. Eram dias felizes. No fim da tarde, gostava de ir ver o gado sendo recolhido para o curral. Mas eu tinha medo da noite da fazenda. Era escuro demais. Tudo iluminado com velas. À noite, aquela casa, com seus muitos quartos parecia ainda maior. Quando as velas se apagavam eu tinha medo de me perder, de perder a minha tia que estava na cama ao lado, de não encontrar nada mais que silêncio e solidão. Meu tio avô, para passar ainda mais medo, dizia que quando dormíamos, ele dependurava minha irmã e eu no telhado da cozinha. Eu ficava me imaginando de cabeça para baixo, amarrada em uma viga do teto.
Mas nesses instantes em que eu ficava com medo me reconfortava sentar lá fora, no banco de madeira em frente a casa. Eu olhava para o céu e via pontinhos piscando, aqui e ali. Eram vaga-lumes que voavam. Gostava de ver os vaga-lumes. Eles me traziam um pouquinho de calma, a lembrança da cidade com eletricidade. Eles eram pequenas lâmpadas na noite escura da fazenda. Cada vaga-lume acendia, dentro de mim, a esperança de voltar para casa e não mais ter medo da noite. Assim como hoje as suas palavras cruzaram o céu do meu coração, como flechas incendiárias em cidades submersas.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Todos nós precisamos mesmo é de amor


Celine é uma francesa de 23 anos, assim como muitas moças que vivem por aí. É inteligente, bonita e foi criada para ser uma mulher bem sucedida. Quando criança, dizia aos pais que queria ser escritora e eles diziam “jornalista”, dizia que gostava de animais e eles respondiam “veterinária”. Cresceu com o futuro traçado: seria uma grande mulher. Mas ninguém a ensinou uma coisa. Nem os pais, as escolas que freqüentou quando criança e muito menos a Sorbone, a ensinou como lidar com seus relacionamentos amorosos. O tempo a ensinou a temê-los.
Um dia, durante uma viagem de trem pela Europa, conheceu um americano chamado Jesse. Depois de apelos do jovem, ela decidiu desembarcar com ele em Viena. A conversa fluiu. Primeiro coisas banais, histórias de crianças, conhecimento do mundo. Depois, um jogo de perguntas e respostas, falam sobre atração sexual, mas, um tabu: o amor. Mais conversa, mais conversa e vemos que os dois estão cada vez mais próximos. Um beijo ao pôr-do-sol. Intimidade, intimidade e finalmente eles falam de amor.
As narrativas amorosas são sofridas. Ele acabou de se separar da namorada, ela tem medo de se tornar obsessiva em relação aos homens. Amores frustrados, medo de se apaixonar. E quem é que nunca passou por isso?
Celine parece forte. É uma dessas mulheres que se olha e pensa: “Nossa, ela tem tudo bem traçado na vida. Sabe o que quer. Não precisa de ninguém. É inteligente, estudiosa, bonita...”. Mas quando a olhamos demoradamente vemos que seu rosto esconde um sorriso de criança, de menina que precisa de colo, de amor. E ela reforça isso ainda mais quando diz: “O que todos nós precisamos mesmo é de amor”. No fundo ela é romântica e sensível e se faz de forte só para se proteger, assim como alguns frutos são guardados por uma casca. Ela é amável.
Nove anos depois Celine e Jesse se reencontram em Paris. Eles se olham e a paixão continua a mesma. Relembram a noite mais intensa da vida de ambos e sabem que aquele encontro em Viena marcou-lhes a vida para sempre.
Ele está casado. Ela coleciona relações frustradas. O sentimento é o mesmo, só que carregado de uma dúvida: “O que teria sido de nossas vidas se tivéssemos ficado juntos no passado?”. Para essa pergunta não há resposta.
Talvez se Celine fosse brasileira e tivesse assistido “Deus e o Diabo na Terra do Sol” ela repetiria a Jesse as palavras de Curisco: “Eu tenho medo de ficar como o gado: sozinho mugindo pro sol”. E assim ele veria que ela é amável, isto é, digna para ser amada. E Celine estaria pronta para amá-lo.

Celine e Jesse são personagens dos filmes “Antes do Amanhecer” e “Antes do Pôr-do-Sol”.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Pequenos prazeres

Foto: Mayara Vila Boa

A maioria das pessoas quando pensa o que lhes faria feliz, logo imagina tudo aquilo que o dinheiro pode comprar: uma mansão, carros de luxo, fama, viagens caras, ganhar na loteria e não precisar trabalhar o resto da vida e por aí vai ... Daí, fico me perguntando: E se morrermos amanhã? E se chegarmos aos 100 anos sem conseguir juntar tanto dinheiro para comprar isso tudo? Será que estamos fadados à frustração?
Gosto muito de um filme chamado “O Fabuloso Destino de Amelie Poulin”. Amelie, a protagonista, se empenha em satisfazer os pequenos prazeres da vida. Não só os dela, mas de outras pessoas também. Talvez, devíamos tentar viver um pouco como a Amelie.
Pequenos prazeres?! É, são pequenas coisas que nos saciam, que alegram, que tornam um dia de tédio diferente nem que seja por alguns instantes. Coisas simples.
O pequeno prazer da Amelie é ir até o mercado da esquina e colocar a mão dentro do saco de cereais. Cada um tem o seu, mesmo que esteja escondido. É só parar um pouquinho e pensar... Já pensou no seu? Vou contar alguns dos meus para ajudar: imaginar o movimento que meu vestido faz enquanto eu danço ou pisar numa coisa bem barulhenta na rua enquanto caminho. E receber uma coisa inesperada, então?! Não há algo que me faça mais feliz que abrir minha caixa de e-mails e ler uma mensagem de alguém que não esperava, mesmo que seja uma única frase, mas que ela me diga muito; consigo vibrar até mesmo se ganho um único bombom. Tomar banho bem quente em dias frios. Receber elogio naquele dia em que tudo deu errado e estou me sentindo um lixo. Assistir filmes que tocam a minha alma. Ouvir música. Fazer caminhada no bosque.
Ficamos tempo demais nos preocupando com projetos grandiosos e esquecemos de viver o momento. Se conversamos com um amigo, não conseguimos nos concentrar pensando na reunião de amanhã e como vamos fazer para juntar o dinheiro da prestação do carro. Mas, pode não ter amanhã nem para nós ou para nosso amigo e, aí, perdemos a chance de uma boa conversa.
Perdemos os prazeres da vida nos preocupando demais com o futuro, com medo de sofrer, lamentando o que passou. E o tempo que perdemos pensando no que os outros estão pensando de nós? Isso sem falar nas coisas que fazemos só para agradar os outros. Pense em quantas vezes se calou com medo de se expor ou nas coisas malucas que fazemos para parecer bonitos para os outros.
Talvez, devêssemos nos dar ao luxo, de pelo menos de vez em quando, fazermos algo pelo nosso momento, pelo nosso presente, para deixar as coisas mais leves, mais gostosas. Ser Amelie Poulin pelo menos uma vez ao dia faz bem!

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Preciso de todos

Foto: Mayara Vila Boa

Alguns silêncios dizem muito. Talvez, o seu me diga: “Não há vagas” ou “Não perturbe”. Minha cabeça entende. Meu coração não. Meu coração é como aquele de Drummond:

“Não, meu coração não é maior que o mundo.
É muito menor.
Nele não cabem nem as minhas dores.
Por isso gosto tanto de me contar.
Por isso me dispo,
por isso me grito,
por isso freqüento os jornais, me exponho
cruamente nas livrarias:preciso de todos.”

Decidi criar um blog para ver se assim meu coração estúpido, ridículo e frágil se acalma. Palavras, impressões, sentimentos diversos, o mundo que me rodeia, dores, alegrias e fragmentos de você. E, quem sabe um dia, arqueólogos ou escafandristas o explorarão para entender o que se passou nesses tempos. Talvez, no futuro eu leia essas palavras e entenda tudo aquilo que hoje não me faz sentido.

Um dia eu entenderei o espaço de tempo que me separa de você. Realmente saberei se o brilho dos seus olhos é realmente o que sinto. Minhas mãos geladas e o coração disparado de agora fará sentido e não mais terei medo desse turbilhão de sentimentos e dessas certezas que não sei de onde tiro. Agora o que me importa é colocar tudo para fora e encontrar uma resposta ou um alento.