Escolhi uma profissão que lida diretamente com a realidade das coisas. Além disso, fui mexer com imagens, televisão. Então, muitas vezes vejo e ouço coisas que não vão ao ar pelo absurdo que são. Já vi cadáveres em putrefação, cabeças sem corpo, sangue, trechos de entrevistas que as pessoas falam coisas horrorosas e até cenas de sexo que um ex-namorado decidiu espalhar por celular para desmoralizar a namorada menor de idade. E de tudo isso resguardamos nosso telespectador. Muitas vezes quem está em casa só vê imagens nubladas ou com mosaico, mas nós vemos tudo.
Baldes de realidade assim na cara me fazem refletir sobre nós, os seres humanos. Há cerca de duas semanas editei uma matéria sobre uma menina de 10 anos que tinha encontrado uma ossada humana, a vítima, enterrada debaixo de uma mangueira deveria ter entre 14 e 16 anos. A menina que a encontrou estava assustada e chorava dizendo que estava com dó já que aquilo poderia ter acontecido com qualquer um, até mesmo com ela. Até aí, tudo bem. Uma atitude esperada para seres humanos dotados de compaixão.
Mais na frente, a repórter Vanessa Lima perguntava para uma moradora do bairro se ela tinha ficado assustada com a descoberta da ossada ali perto da casa dela. Para meu espanto, a mulher disse que não! Ela disse que até achou que fosse osso de cachorro! (aposto que ela teria outra opinião se fosse um parente dela).
Alguns dias depois fui editar uma matéria sobre um bairro de Aparecida de Goiânia que está servindo como local de “desova” de cadáveres. A repórter Manuela Queiroz perguntou a uma moradora do setor se ela ficava com medo. E, mais uma vez para meu espanto, ela disse que não, porque os crimes não acontecem com gente do bairro. E ainda acrescentou: “Quando a gente vê os urubus voando num lugar, a gente até já sabe o que é. Daí, chama a polícia”. (A que ponto chegamos! Desculpem, mas não acho que isso é normal).
Mas o auge dos banhos de realidade que venho tomando foi ontem. Estava eu, em casa (dessa vez não fui eu quem editou a matéria) assistindo a entrevista feita por Fernanda Arcanjo com a namorada de Mohamed d’Ali, que matou e esquartejou a inglesa Cara Burke. A namorada, Hellen Victoy, anunciou que vai se casar com o assassino confesso no fim do ano. Até aí, tudo bem, problema dela! Mas quando a moça foi perguntada se ela não acha que Mohamed é um monstro, ela veio com essa resposta: “Errar todo mundo erra, matar todo mundo mata. Quem nunca errou? Se você está no trânsito e atropela uma pessoa, matou do mesmo jeito. Agora, só porque ele esquartejou?” (daí eu pensei: Santo Deus, em que mundo eu estou? Será que meu cérebro foi muito afetado pelo colégio de freiras que eu estudei? Porque eu não acho que matar é normal!).
Mas a entrevista ainda não tinha terminado. A moça ainda disse que acha que o crime cometido pelo namorado só teve tanta repercussão porque ele matou uma inglesa loira dos olhos azuis, porque se fossse uma “pessoa de cor, do cabelo ruim” (são palavras dela) ninguém estava nem aí. Coisas assim não podem cair na normalidade. Encontrar corpos não é normal, tirar a vida de alguém não é normal. É só pensar que isso poderia acontecer com uma pessoa que amamos. Os seres humanos deveriam exercitar mais a compaixão ou daqui uns tempos estaremos contando quantos já matamos.
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