domingo, 28 de setembro de 2008

Sobre o Amor - teatro


Foto: Divulgação
Tochas de fogo traçam um círculo no centro do palco. Quando sobem, iluminam um rosto pintado e as cortinas vermelhas que servem de cenário. Quando descem, iluminam as sapatilhas daquele que descobrimos palhaço. Enquanto escutamos algo que fala de amor.
Dois palhaços, um amor. Um amor que começa assim mesmo, de cara pintada, alma lavada e coração desatento. Eles se encontraram num baile de carnaval. De máscaras, Mário não percebe que beija um homem. Quando descobre, reluta, diz que não é mulherzinha. Mas, já é tarde. Se apaixonaram.
Uma dessas paixões que não tem explicação, que começa ali mesmo, sem mesmo saber o nome do outro e se descobre maior cada vez que se encontram e se conhecem mais um pouco. Tem explicação para o amor de dois homens? Eles se perguntam... Aí, só restam duas coisas, ou deixar que o tempo acabe com ela ou esperar que ela chegue em algum lugar.
Os dois palhaços, Pedro e Mário se entregaram ao amor. E a vida deles se encheu de:
“- Pedro, eu te amo!
- Eu sei disso, palhacinho!”
Pedro era palhaço de circo, tinha o desejo e a necessidade de girar o mundo. Mário era palhaço de rua, pés e raízes fincados num lugar à espera de Pedro. Quando as turnês os separavam, só lhes restavam as cartas. Mas até que ponto poderiam dar publicidade a esse sentimento?
Um dia, sem saber bem onde começou, o ciúme e a tristeza invadiram aquele lar que antes era só de amor. E o relacionamento dos palhaços foi murchando, murchando até que Pedro decidiu deixar Mário. Não sem sofrer, não sem quase morrer de amor, não sem ter o coração em pedaços. Mas ele foi.
Mário começou a beber e não teve mais notícias de Pedro. Não sabia se tinha sido um acidente ou até mesmo a greve dos correios. Desapareceu, sumiu, sem notícias...
Para os pessimistas talvez a história terminaria aí, os otimistas torceriam por um final feliz, para outras pessoas, tanto faria. Mas o final do espetáculo só vai saber quem assistir “Sobre o Amor”, da Cia. Trupicão. A direção e o roteiro do espetáculo são de Sandro Freitas e atuação de Luca de Oliveira e Wesley Maurício. O desenho de luz é de Cláudio Galvão, que por sinal ficou maravilhoso.

P.S: Preparem o lenço!

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quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Pessoas são presentes

Acho que as pessoas são como presentes. Primeiro vemos o embrulho, que pode ser feio ou bonito, depende do gosto. Há os grandes, os pequenos, os médios, de diversas formas. À medida que vamos nos conhecendo, despimos os embrulhos pouco a pouco. Alguns são melhores que esperávamos, outros nos decepcionam e ainda existem aqueles na medida do que esperávamos.
Nós, seres humanos, temos a capacidade de nos doarmos. E o nosso valor, quem dá somos nós mesmos. Alguns se comportam como presentes de plástico, desses encontrados em qualquer loja de 1,99. Dão-se a qualquer um, se prestam a sentimentos tortos, palavras torpes e emoções desencontradas.
Alguns ainda são feitos de massa de modelar. Poupam-se de pensar, se transformam dependendo da ocasião e seguem sempre pelas mãos dos outros. Há presentes feitos de madeira. São duros, não se modificam por nada e acham que estão sempre certos.
Existem muitos presentes por aí, com capacidade de se doarem ou não. Presentes que vem e ficam, outros e simplesmente passam por nossas vidas. Às vezes sabemos reconhecê-los e outras vezes, os machucamos sem entendê-los. Mas, de todos os presentes, os que mais gosto são as jóias raras. São aquelas pessoas lapidadas pelo tempo, que se dão valores altíssimos e que sabem exatamente a que vieram e o quanto são boas (sem deixar que isso lhes suba a cabeça). Têm brilho raro e beleza ímpar, conseguem ser melhores que a embalagem.


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quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Palavras sem tradução

Ele era o projetor da única sala de cinema da cidade. Ela, a professora de línguas do internato para moças. Ela falava inglês, francês e espanhol. Ele, analfabeto. Algo os unia: o amor pelo cinema.
Todas as quintas-feiras ela assistia a matinê. Ele já sabia e ia esperá-la na porta do cinema. Ela chegava sempre 15 minutos mais cedo. Ele gostava de vê-la virando a esquina, vestido longo, cabelo preso rabo de cavalo, óculos, andava com passos tímidos e um sorriso encantador. Ela passava e o cumprimentava e a ele restava suspirar.
Ele estava apaixonado e ficava imaginando que ela era a mocinha de cada filme que projetava na tela. Ele era sempre o mocinho que a salvava dos piratas, que a buscava num carro luxuoso, que a levava para jantar na cobertura de um prédio de Nova York ou a convidava para dançar no baile de máscaras. Mas o que ele mais gostava era dos beijos.
Ele ficava imaginando como poderia conquistá-la e, um minuto depois, pensava que com certeza ela nunca olharia para alguém como ele, que nem sabia escrever. Uma tristeza invadia sua alma. Mas aquilo durava no máximo até a quinta-feira, quando ela vinha novamente. Quando ele a via sentia o coração acelerar, as pernas tremer e a mão gelava. Era uma sensação boa e ruim ao mesmo tempo. Como se ele não pudesse coordenar a si próprio.
Um dia, ao ver uma fita lá pela décima vez, teve uma idéia. Prestaria atenção nas falas dos filmes e decoraria o que o galã falasse na hora em que a mocinha mais se emocionasse. Então, ele falaria para ela. Assim, ela ia pensar que ele era estudado.
Chegou o novo filme. Daqueles bem românticos que fazia as moças saírem chorando do cinema. Ele pensou que era a hora de colocar o plano em prática. Escolheu uma cena e ficava repetindo o que o mocinho falava para a mocinha do filme. Mesmo sem entender o que era dito, via que a mocinha ficava tão feliz que beijava o mocinho.
Então, na próxima quinta-feira, tal qual o galã do filme, ele esperava a professora com uma rosa vermelha na mão. Quando ela o cumprimentou, como de costume, ele entregou a rosa e disse: “A gift for you”. Ela arregalou os olhos surpresa, abriu um sorriso, pegou o presente e disse alguma coisa que ele não entendeu. Mas pelo jeito ela havia gostado.
Naquele dia, ele ficou eufórico! O plano havia dado certo.
Na outra quinta-feira, ele a esperava: “Tu es très belle”. Ela olhou para ele de um jeito carinhoso, riu mostrando as covinhas do rosto, falou alguma coisa naquela língua que ele não conhecia e entrou. Daquele jeito ela ficou ainda mais linda.
Ele não conseguia parar de pensar na amada. Na outra semana, quando ela chegou, ele beijou a mão dela e disse: “Te echo de menos”. Ela, sem pensar muito, o beijou no rosto de tanta felicidade. E ele, ao sentir os lábios dela pensou que realmente a amava e que ela já fazia parte da vida dele.
Na sessão seguinte, o projetor estragou e ele não pode ir para a porta do cinema. Teve que consertá-lo. O filme começou atrasado. Da janelinha da sala de projeção ele viu onde ela havia se sentado. Toda hora ela olhava para trás, na direção em que ele estava. Ele, com o coração aos pulos, ficava se perguntando se ela o procurava.
A sessão acabou. Ele ajeitou tudo o mais rápido que pode e saiu correndo para ver se ainda a encontrava. A alcançou quando ela virava a esquina. Chamou por ela. Ela pareceu feliz ao vê-lo. E ele pegou a mão dela e disse como no filme: “Give me a kiss, darling”. Ela fechou os olhos e foi se aproximando dele. Até que o beijou. Ele sentiu que aquele beijo era melhor que todos os beijos dos filmes que havia visto.
Saíram dali de mãos dadas. Foram até o café da praça onde conversaram sobre cinema. Ela se mostrou muito simples, apesar de todo o estudo que tinha. Ao contrário do que ele pensava, ela não riu dele enquanto ele falava, muito pelo contrário, ela prestava bastante atenção. E até disse que ele era diferente de outros moços que ela conhecia que não sabiam tratar bem uma dama.
Sempre se viam às quintas-feiras e ele falava uma das frases que ouvia no cinema. Saiam depois para conversar no café da praça. E de tanto “Ma cherry”, “I love you”, “Sin ti no se vivir” e outras palavras que para ele só tinham tradução na expressão da mulher amada, o amor foi crescendo. Ele até resolveu comprar um anel de noivado para ela, mas esperava a melhor hora para entregá-lo.
Uma noite, ele resolveu dizer a ela: “C’est fini, c’est fini”. Ao contrário da mocinha do filme, que se atirou aos pés do mocinho, ela empalideceu e no rosto dela havia uma expressão de dor. Ela cambaleou de lado, se apoiou na mesa, olhou para ele como se fosse a última vez. Os olhos dela estavam cheios de lágrimas. Ela saiu correndo. Ele ainda tentou evitar, mas ela se foi.
Nos meses seguintes ele esperaria em vão pela amada na porta do cinema enquanto se perguntava o que teria dito. Dias tristes aqueles. A única coisa que restava era o anel que tinha comprado para ela e que não tivera a chance de entregá-lo. O levava sempre no bolso, na esperança de encontrá-la novamente.
Um dia, ele estava projetando um filme quando a viu chegar. Com certeza deveria ter chegado atrasada para não encontrá-lo. Ele saiu correndo, entrou na sala de cinema, sentou ao lado dela. Quando ela o viu, tentou sair, mas ele a segurou pelo braço:
“Preciso falar com você. Eu não sei nenhuma daquelas línguas que te falava. Não sei o que te falei. Não sei ler, nem escrever. Achei que o único jeito de fazer você gostar de mim era te dizendo o que os mocinhos dos filmes diziam. Então, eu treinava o que eles falavam e repetia pra você, mesmo sem entender. Queria que você soubesse que nunca quis te enganar é que eu te amo. Você é minha querida e não consigo viver sem você. Sinto saudades. Queria que você aceitasse esse presente, minha querida”.
Ela olhou para ele e começou a rir. Um riso misturado com lágrimas. Uma cara de felicidade. Ela aceitou o anel e o beijou como nos finais dos filmes.


Texto baseado na música “Tantas Palavras”, de Chico Buarque.

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quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Por que?

Ando achando que ter certezas nesse mundo é coisa rara. Estamos sempre a um passo de definir o resto de nossas vidas. Sempre sem saber qual a melhor decisão a tomar. E o pior, vivemos sem entender o por quê de algumas coisas.
Por que será que a faculdade que eu quero fazer fica tão longe do meu trabalho?
Por que será que quero fazer Mestrado mas não sei o tema?
Por que será que quero fazer especialização em Jornalismo Cultural sendo que não sei onde vou usar isso?
Por que será que gosto de arte e nasci num estado com vocação para bois e soja?
Por que será que não consigo me contentar?
Por que será que quero mudar de cidade?
Por que será que quero sair por aí devorando tudo?
Por que será que o homem mais interessante que conheço casou (e não foi comigo!)?

Ahhhhhhhh, livre-arbítrio que me confunde!


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domingo, 14 de setembro de 2008

Nada como um tempo após um contratempo

Nada como uma dor ou uma grande perda, ou os dois juntos, para nos mostrar algumas coisas. Acho que crescemos, e muito, com a dor. Acredito que muitas vezes somos privados das coisas ou pessoas que gostamos para que aprendamos algumas lições. Sejam quais forem as lições. Para que aprendamos a ser menos egoístas, darmos mais valor a vida, para que saibamos apreciar as coisas simples, enfim, cada caso com sua lição.
Digo isso porque o final de 2006 foi pra mim um grande final. Um namoro acabado, uma monografia que quase acabou comigo (que incluiu briga da minha orientadora comigo e bloqueio de escritor), um estágio (que eu adorava) no fim e a faculdade no último ano.
Tudo isso foi demais para a minha cabeça. Parei de comer e não conseguia dormir. Minha única vontade era chorar. O que mais pesava era a perda do namorado e tudo isso era agravado pelas outras coisas que estavam no final. Passei a achar que minha vida não tinha sentido sem aquela outra vida. Eu estava de luto e não tinha ninguém para enterrar. O mais difícil era quando eu acordava. Eu simplesmente pensava: mais um dia sem ele...
Daí, certa vez liguei para ele e ele me falou de uma moça que estava gostando. Aquilo doeu, nossa como doeu ouvi-lo falar com tanto carinho de outra. Chorei muito e decidi que seria a última vez que eu choraria por aquele motivo.
No outro dia, eu acordei e pensei: “Só por hoje eu não vou sofrer. Só por hoje eu não quero mais chorar”. E fiz de tudo para me sentir um pouco melhor. No outro dia, acordei e pensei: “Só por hoje eu não vou sofrer. Só por hoje eu não quero mais chorar”. E assim, fui acostumando com a coisa. E ao longo de tempos, eu já conseguia ser feliz automaticamente.
Depois disso, passei a valorizar melhor quem está ao meu lado. Aprendi a conviver comigo mesma e ficar sozinha. Aprendi a deixar os que amo irem, não sem sofrimento, mas com a certeza de que algumas pessoas simplesmente devem passar por nossas vidas e não ficar para sempre. Também aprendi que às vezes, o muito que alguém nos oferece é muito pouco e que não devemos nos contentar com isso. Agora, tento viver um dia de cada vez e faço daquele dia o dia mais feliz da minha vida porque ele pode simplesmente ser o último. E não costumo desperdiçar meu último dia de vida com falso moralismo, com medo de amar ou de dizer o que penso. E com tantas outras coisas que não compensam...
Como diria Chico Buarque:
“E nada como um tempo após um contratempo
Pro meu coração
E não vale a pena ficar, apenas ficar
Chorando, resmungando, até quando, não, não, não”.


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quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Pingue-Pongue

Um pó?
O de Meame, que pode ser usado no café da manhã, almoço ou jantar e nutre um amor. Se bem que adoro o pó de Pirim Pim Pim, usado pela Emília do Sítio do Pica Pau Amarelo, para sumir e aparecer em outro lugar.

O que compraria na farmácia se vendesse?
Paciência! Compraria logo uns dois frascos.

O que daria para a humanidade?
Compaixão em roll on e recomendaria o uso pelo menos uma vez por dia.

Antes de dormir?
Poema.

Acordar?
Com música.

Um jeito de nascer?
A noite e ouvindo música. Apesar de ter sido do contra e nascido no meio da tarde (um calor!).

Uma morte?
De tanto rir.

domingo, 7 de setembro de 2008

Seqüestraram a minha sogra

- Seqüestrei a sua sogra…
- Bem feito!, e ele desliga o telefone.
Com certeza ele havia ligado para o número errado. Tinha ligado para alguém que nem tinha sogra, só pode! Ligou de novo e ninguém atendeu.
Do outro lado, o rico empresário desligou o telefone e gargalhou enquanto pensava: Se isso for verdade, Deus ouviu as minhas preces!
Ele, sem perder tempo, e acreditando que alegria de rico dura muito, gritou para a mulher que se aprontasse e arrumasse também as crianças porque eles iriam passar a tarde no clube.
Ela se espantou e veio ver o que havia acontecido:
- Mas você não ia trabalhar essa tarde? Não tinha uns balancetes da empresa para analisar?
- Estive pensando que hoje é sábado e quero passar o dia com a família!
- Vou atender o telefone...
- Não! Deixa tocar. Vai que é alguém da empresa e estraga meu sábado de folga!
- Você está esquisito... Mas tudo bem... Pena que mamãe saiu e não avisou onde ia. Ela iria adorar ir ao clube conosco...
- Você e essa sua mania de colocar a sua mãe no meio de tudo!
- E você com essa sua mania de implicar com ela!
- Mas é claro, ela é uma peste!
- Não fale assim da minha mãe!
- Tudo bem, não vamos brigar por isso... Você não ficou feliz de sair comigo? Vá se arrumar...
Ela subiu as escadas em direção ao quarto. Nisso, chega o motorista pálido e sem fôlego:
- Doutor, o senhor não vai acreditar no que aconteceu! Fui levar a sua sogra na igreja e quando estávamos voltando para casa, seqüestraram ela! Eu sei que o senhor vai querer me matar, mas eu não dei conta de fazer nada para ajudar ela! Eles estavam armados, acho até que era escopeta, isso se não for bazuca!, falou com o exagero que lhe era característico.
- Acalme-se, já estou cuidando de tudo... Os seqüestradores já ligaram aqui para pedir o resgate. Mas eu queria te pedir uma coisa: sigilo absoluto. Não quero que você comente isso com ninguém. É que você sabe como minha mulher é apegada com a mãe. Acho que se ela ficar sabendo que a mãe foi seqüestrada por homens com bazuca, pode até enfartar. E você não quer que sua patroa morra, não é?
- Não, senhor. Claro que não... Mas, como o senhor vai explicar o sumiço da sua sogra?
- Vamos fazer assim: você vai dizer pra sua patroa que a mãe dela pediu para que você a levasse para o aeroporto.
- Pra viajar?
- É, é, pra viajar. E que ela não estava sozinha...
- Não?! E tava com quem?
- Com o namorado dela...
- Uai, não sabia que ela tinha namorado...
- Você só vai dizer isso pra sua patroa! Diga que a mãe dela viajou com o namorado, que por sinal era bem mais novo. Um rapazinho!
- Viajaram pra onde?
- Pra Paris!
- Paris?!
- É, Paris. Eles foram namorar em Paris porque ela ficou com vergonha de contar o namoro para a filha.
- O senhor tem certeza?
- Tenho! E não vá dizer outra coisa, hein!
E ficou repetindo baixinho:
- Tá certo... Pra Paris com o namorado novinho... Tinha vergonha... Aeroporto.
A mulher entrou no escritório:
- Já estou pronta. Agora só faltam as crianças.
- Acho melhor você se sentar. O motorista tem algo a dizer sobre a sua mãe.
- Mamãe?! O que aconteceu? Onde ela está? Aconteceu alguma coisa? Ai, meu Deus, foi o coração?
- Calma querida, você vai ter que ser forte. Vamos lá, fale pra ela. Diga o que a mãe dela aprontou.
O motorista, com os olhos no chão diz:
- Viajou.
- Viajou?! Mamãe não viajaria sem me falar...
- Ela foi pra Paris com o namorado...
- Namorado?! Que namorado? Ela sempre amou papai e desde que ficou viúva jurou que nunca mais amaria outro homem!
- Eu sempre te falei, mas você não quis me escutar... Essas saídas da sua mãe não estavam certas. Esse negócio de ficar indo na igreja e no cemitério toda hora não tava certo. Com certeza ela ia encontrar o amante...
- Não pode ser...
- E tem mais, o motorista disse que o amante dela é um rapazinho, deve ter idade pra ser neto dela! Um escândalo!
- Meu Deus!
- Se essa história se espalhar, as portas da sociedade vão se fechar para a nossa família. Vão apontar você e dizer: Tá vendo, aquela é a filha daquela velha safada que fugiu com o rapazinho!
- Isso não pode acontecer! Não tenho culpa! Nunca achei que ela fosse capaz...
- Pois é, então, o melhor é você não comentar isso com ninguém.

A mulher, com medo de ser banida das festas da alta sociedade por causa da mãe que fugiu com o rapazinho, ficou de bico calado. O marido a convenceu a passar uns dias com as crianças na casa de praia para se refazer do baque. Na verdade, ele queria era tempo para resolver o problema, ou melhor, dar um jeito da sogra ficar onde quer que ela estivesse de vez.

O seqüestrador liga novamente:
- Estou com a sua sogra, se você não me pagar um milhão de reais, eu vou meter bala nela!
- Não dou um centavo por essa velha! Você está me fazendo um favor!
Desliga o telefone.

Nos próximos dias os seqüestradores iriam entender o porquê de tanta felicidade daquele homem ao ver a sogra seqüestrada...

Alguns homens vigiavam a mulher. O cativeiro ficava em uma chácara afastada da cidade.
Logo cedo, eles acordam com a velha batendo na porta do quarto:
- Mas vocês não tem vergonha não? Que bagunça é essa? Achei que esse tal de crime fosse organizado, mas vejo que isso aqui é uma bagunça só! Primeiro: eu não devia estar amarrada, amordaçada e não sei mais o que, como nos filmes?
Eles se entreolham sem acreditar no que estão ouvindo...
- Eu tô falando com vocês!
- Tia...
- Tia? Desde quando eu sou sua tia? Por acaso você é filho da minha irmã? Sua mãe não te deu educação, não? Me chame de senhora!
Os outros riram...
- Vocês estão rindo de quê?
Eles até se sentiram intimidados. Ela conseguia ser mais linha dura que o chefe.
- Desculpa, é que nois conversamo aqui e achamo que a senhora não ia precisá de algema não, já que tamo longe da cidade e a senhora não faz o estilo que vai fugi...
- Mas é uma desorganização mesmo! Quem é o chefe desse seqüestro?
- Ele num fica aqui não, tia. Ops, desculpa, senhora!
- Eu vou ter uma conversa muito séria com ele quando ele vier aqui...
- Sim, senhora...
- Cadê meu café da manhã? Vou já avisando que todos os dias eu acordo pontualmente às seis horas da manhã e eu quero o meu café na mesa. E já vou avisando que só como se o pão estiver fresquinho!
Eles continuavam se olhando incrédulos.
- E tem mais! Eu quero essa casa limpa! Isso aqui é um chiqueiro ou uma casa? Me recuso a ficar numa casa nesse estado. Meu genro é muito rico, vai pagar vocês bem. Então, me tratem bem! Aliás, quanto é que vocês estão pedindo de resgate?
- Um milhão...
- Nossa! Sou tão barata assim?

E nos próximos dias, ela continuou ditando as regaras da casa como um general. Em uma semana, os seqüestradores já lavavam e passavam. Isso sem dizer que limpavam o cativeiro todos os dias e até buscavam flores para enfeitar a casa. Isso, para que a mala sem alça da sogra lhes desse sossego. E é claro, também pensavam que aquele sacrifício valia um milhão.
Passaram-se semanas e nada do genro pagar o resgate. Sempre que ligavam para ele, a mesma resposta: - Fiquem com ela e façam bom proveito!
A sogra começou a gostar dos seqüestradores e, com isso, passou a lhes ensinar como organizar melhor as atividades ilícitas que praticavam. Percebeu que eles eram meio fraquinhos e quem ganhava mesmo era o chefe. O tal chefe que não corria risco e nunca aparecia. Ela então, mesmo sem ter comandado uma boca de fumo na vida, começou a dar aulas de como eles podiam lucrar com o tráfico de drogas sem ter que pagar porcentagem para o chefe. Fez uma planilha de custos para controlar o dinheiro obtido com os assaltos praticados pelo bando. Provou, por A mais Z, que era um absurdo eles seqüestrarem alguém, correrem risco de levar um tiro ou serem presos, ficarem guardando o cativeiro e ainda assim receber menos que o mentor intelecto daquele crime.
Os bandidos, então, começaram a se rebelar contra o chefe.

Um dia o empresário recebe o telefonema:
- Pelo amor de Deus, recebe sua sogra de volta! Além dela transformar minha quadrilha num bando de mariquinhas que fica limpando a casa e colhendo florzinhas, ela quer me derrubar! Só falta meus homens me pedirem carteira assinada, com direito a férias, décimo terceiro e adicional por risco!
- Tá vendo, mexe com a família dos outros! Quando você mandou seqüestrar essa mulher, não sabia no vespeiro em que estava se metendo! Por dez anos ela transformou a minha vida num inferno. Agora, ela é problema seu!
- O pior é que se eu decidir matá-la, minha quadrilha é bem capaz de se voltar contra mim...
- Que problemão, hein?!
- Recebe ela de volta...
- Quanto?
- Quanto o que?
- Quanto você me paga para receber a megera de volta?
- Ficou louco? O seqüestrador aqui sou eu!
Desligou o telefone...

Uma semana depois toca o telefone:
- Eu pago o dobro do preço do resgate pra você tirar essa mala sem alça daqui!
- Fechado! Mas só a aceito de volta depois de receber o dinheiro e verificar se não é falso...


Texto baseado na música “Seqüestraram a minha sogra”, de Bezerra da Silva.


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quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Considerações de uma quinta-feira

"talvez no fundo espere alguma coisa mais linda que o mundo
Maior do que o mar,
mas pra que sonhar se dá o desespero de esperar demais"

Quero apertar o botão do foda-se
porque tenho medo de esperar trens que não virão
porque quero continuar amando
porque quero ser amada
porque tenho medo de ser esquecida por aqueles que gosto
porque tenho medo que palavras ácidas sufoquem meus sonhos
porque não gosto de rotina e temo que um dia ela me paralise
porque quero ser livre para falar dos meus sentimentos
porque não quero ser taxada daquilo que não sou
porque quero que entendam que não estou apaixonada, é que já nasci assim, nesse estado.