quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Naquele tempo ela pensava que podia voar...

Foto: Haru O'Hara

Estava num desses sites de conversa instantânea. Mas dessa vez não foi tão instantânea assim.

- Oi

E a resposta veio depois de longos vinte minutos:

- Sorry, but I was talking to a friend.

Não entendeu a razão do inglês, mas não importava já que ela podia compreender. E ele continuou:

- Do you know who am I?
I'd love to talk with you. I have to go now.
Fique com esse texto de uma peça que estou escrevendo. Com sombreação de dúvidas, e consciência sem toque ameno.

Queria falar do roteiro que havia escrito, mas como resposta:
- No, I've never know who are you.

Naquele dia ela teve certeza de que era só imaginação. Decidiu parar de voar.

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sábado, 24 de outubro de 2009

“As três irmãs”, para pensar a vida


Foto: Divulgação

Irina, Maria e Olga, três irmãs que tem muitos sonhos, mas o principal é voltar para a terra natal, Winston. Já no começo da peça “As três irmãs”, da Traço Cia. de Teatro, o público é convidado a sonhar também. Na comemoração do aniversário de Irina, a caçula, tanto as personagens como o público fazem pedidos e apagam velas: “casar”, “voltar para Winston”, “que todos sejam felizes”, “que vocês voltem mais vezes aqui”...
O texto foi escrito em 1900 pelo russo Anton Tchekhov e foi feito para ser uma comédia, mas acabou se transformando em drama. As irmãs passam anos desejando voltar para Winston, de onde saíram com o pai, um militar já falecido. Mas sempre há contratempos, é o irmão que se casa com uma adultera e decide não mais ser professor universitário, o casamento de Irina que não dá certo, um incêndio na cidade, o casamento de Maria sem amor e Olga que não consegue um pretendente.
Cada uma das irmãs tem uma deformidade. Maria tem os braços cortados na altura dos cotovelos, Olga tem quadris muito largos e Irina é corcunda. Ao redor das três circulam personagens menores, sem grandes sonhos que os movam, como o irmão, a cunhada e os militares (todos com seus problemas morais, como vício em jogo, adultério, loucura). Essas pessoas contrastam com as irmãs, que querem sempre crescer, seja no campo afetivo ou profissional.
“As três irmãs” fala de sonhos, de esperança, mas principalmente de solidão. A solidão daqueles que são deixados para trás pelo curso da história, daqueles que são esquecidos ou que simplesmente não acham seus pares.
Mesmo estando sozinhas desde o começo da peça, elas temem estar isoladas do mundo, por isso o desejo de voltar para Wiston (onde a vida faz sentido). Elas anseiam sair do trivial, do cotidiano que enrijece os sentimentos e que sufoca o espírito. Maria, Olga e Irina não querem apenas viver, querem uma vida que as satisfaça.


A peça tem adaptação e direção de Marianne Consentino, com interpretação primorosa de Débora de Matos, Greice Miotello e Paula Bittencourt. Ótima trilha sonora executada ao vivo pelos músicos Cassiano Vedana, Ive Luna e Gabriel Junqueira. “As três irmãs”, da Traço Cia. de Teatro, de Santa Catarina, foi apresentada durante a programação do Goiânia em Cena.


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quinta-feira, 22 de outubro de 2009

A escritora de obituários

Trabalhava na sessão de obituários de um jornal há dois anos e já estava cansada de tanta morbidez. Passava os dias entre saudades eternas, adeus, vale de lágrimas, sofrimento sem fim, dor daqueles que o amam e perdas irreparáveis.
Eram dias cinzas aqueles. Já chegava na redação com cara de cansada. Os sapatos pretos desgastados combinavam desastradamente com a calça social (sempre a mesma) e blusas de gola alta, trazia o cabelo sempre preso e se escondia atrás dos óculos. Parecia que tinha o peso da morte sobre os ombros.
Naquele dia, ao sair do jornal, sentiu a necessidade de caminhar um pouco. Andou sem rumo até chegar ao parque da cidade. Sentou- se debaixo de uma árvore e, enquanto olhava o lago, lágrimas rolavam por seu rosto. Pensava na vida que era tão diferente dos sonhos que sempre tivera. Queria ser escritora e acabara na sessão de obituários.
Fechou os olhos por alguns instantes e ao abri-los deparou-se com um senhor que estava à sua frente. Ele sorria. Ela se sentiu envergonhada de chorar diante de um estranho. Ele estendeu a mão. Ela o fitou longamente.
- Vamos dançar?
Ela pensou na estranheza daquele convite, mas ele a tomou pela mão e começaram a dançar o silêncio. Ela olhava para aqueles olhos doces e aceitava ser conduzida. Ria e chorava ao mesmo tempo.
Naquele dia fez coisas que nunca havia feito. Comeu goiaba em cima de uma árvore, deu comida aos peixes do lago, brincou com as crianças do parquinho, conversou horas com aquele homem que nunca tinha visto antes, confiou em alguém. Nunca foi tão ela como na presença dele. Se encontrou naquele desconhecido.
No outro dia os colegas de trabalho estranharam quando ela chegou de vestido florido, cabelos soltos, salto e maquiagem. Sentou-se como se não tivesse notado os olhares curiosos, escolheu qual seria o obituário e escreveu:

“Maria da Silva nasceu, cresceu e morreu. Seguiu o ciclo da vida, não há mistério nenhum. Amou muito, dizem que foi amada. Gostava de brigadeiro de colher e por isso engordou vinte quilos. Tinha como principal passatempo atazanar a vida do único genro. Dizem até que a moribunda sussurrou no ouvido dele antes da passagem para o além: ‘Volto para puxar seu pé’. Deu o último suspiro e morreu.”

Feito isso, entregou para o diagramador e saiu para nunca mais voltar.

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terça-feira, 13 de outubro de 2009

Adeus

Naquele dia ela teve que se despedir. O que fazer nas despedidas? Havia muito para falar, coisas a descobrir, cumplicidade quase que desconhecida, quem sabe planos de até logo, mas ela não conseguiu. Quando se encontra alguém de quem não se quer separar nada mais resta que um longo abraço. Adeus.

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quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Colcha de retalhos

Chocolate com morango comido lentamente. Carinho na nuca. Olhos fechados pra escutar melhor. Música agitada. Dança do ventre. Dor com prazer. Brinde com champanhe. Sorriso de canto da boca.

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segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Palavras e silêncio

Palavra: 1. Fonema ou grupo de fonemas com uma significação; termo, vocabulário. 2. Sua representação gráfica. 3. Manifestação verbal ou escrita. 4. Faculdade de expressar ideias por meio de sons articulados; fala. 5. Modo de falar.

Mas e quando esvaziamos esses significados? Quando usamos uma palavra quando na verdade queremos expressar exatamente o contrário? E quando simplesmente não dizemos com medo do que o outro vai pensar?
Muitas vezes temos medo das palavras e da força que elas podem ganhar, aí, simplesmente não dizemos. Temos apenas como resposta: “Não posso responder...”, isso quando há resposta. Às vezes o silêncio impera mesmo quando temos o que dizer. Mas é mais cômodo e menos perigoso não falar. É que quem não se fala não se arrisca, não se arrepende depois, não deve prestar contas do que foi dito, não se culpa e não teme.
E assim vamos ficando com perguntas no ar. Frases não ditas e silêncios cada vez mais prolongados. Certa vez, conheci um homem que mesmo depois de cinco anos de namoro não dizia eu te amo para a namorada. “Ela vai se achar se eu disser”. O que ele não podia ver é que na verdade ela ia deixar de achar e ter certeza se ele falasse.
Há também aquele silêncio que incomoda. Não há nada que incomode mais do que o silêncio quando você quer ouvir tudo: bom ou ruim, mas que deve ser dito. É melhor ouvir algo não agradável do que a indiferença. Certa vez escrevi um e-mail muito importante para mim, esperei semanas pela resposta, dia após dia eu conferia minuciosamente e ansiosamente minha caixa de e-mails, mas a resposta nunca veio. Tive que escutar tempos depois: “Não posso responder seu e-mail”. Eu preferia um “não” a essa resposta que não define nada e que dá muitas margens de interpretação.
Mas o que realmente tem me deixado encabulada nos últimos tempos é a capacidade que nós seres humanos temos de usar palavras estéreis.

Estéril: 1. Que não produz; infecundo, ingrato, sáfaro. 2. Em que não se produz ou não se realizou.

Palavras estéreis são aquelas que não frutificam e que acabam no mesmo instante em que são ditas. São amontoados de “eu te amo”, “querido”, “amiga”, “te perdoo”, “desculpa”, “não farei mais isso”, “meu anjo”, “meu coração” e tantas outras coisas que não vão além disso: de palavras. Sem significado verdadeiro, ditas para não serem mais lembradas, esvaziadas de todo o sentido que deveriam ter. Palavras que se contradizem com as ações e os sentimentos.
Não é preciso dizer que ama quando não se ama, nem dizer que está com saudades se não está. Nem é necessário pedir desculpas se realmente não se sente arrependido e se vai fazer tudo aquilo de novo. Não há porque falar sim quando se quer falar não e também não precisa ser o contrário.
As palavras mais bonitas que já ouvi saíram dos olhos de pessoas que me amavam, de pequenos gestos de carinho do dia a dia e as mais estéreis vieram cobertas por lindos sons articulados. É, são assim essas coisas que chamamos de palavras....

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