quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Perdendo

E ela já estava tão cansada de perder pessoas que começou deixá-las antes que elas o fizessem. E assim disse tudo o que lhe veio à cabeça, apressou as coisas, criou confusão, gritou quando deveria calar, calou quando deveria falar, esperneou, se vestiu de feia, parou de comer e foi mais ansiosa que a ansiedade poderia ser. Mas não, ela não se tornou mais feliz por isso. E um dia morreu de ciúmes ao ver que um outro alguém deixava um recado carinhoso para quem ela gostava.

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sábado, 11 de dezembro de 2010

A louca

Por que?, era o que mais se podia ouvir das palavras que lhe saiam da boca desesperada. Naquele dia ela gritou a casa sem móveis, a louça quebrada, o lustre sem lâmpada, a mancha no carpete novo. Ela não só gritou como arranhou o rosto, pintou as paredes e jogou tinta no vestido. Bailou sem música e rodopiou com os olhos de uma louca. Se despiu das sandálias e dos óculos, desfez o penteado.
Tudo porque ela não entendia o que lhe acontecia. O que teria feito? O que não? Será que já não era suficiente? Mas o tempo, ah o tempo, sempre lhe pedia mais e sempre lhe trazia menos. Logo ela que só queria um ombro para repousar a cabeça e uma mão para acolher a sua, tinha que ser forte. Tinha que demolir o mundo se preciso e reconstruí-lo inúmeras vezes, e de novo e de novo e de novo, até não se sabe quando.
E gritava e gritava e gritava. Até que sua úlcera estourou em dores, até que seus tímpanos não ouviam mais, até que o coração disparou, até que o mundo parou para ver o quanto lhe era injusto. E o grito virou uivo e as lágrimas soluços e nada nem ninguém podia consolá-la.
E todos aqueles que passaram por ela naquela manhã sentada ali na mesa do escritório não entenderam a razão dela estar tão quieta olhando para o horizonte. Tão silenciosa em meio a toda aquela gente.

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sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Telefonema

Um dia depois de vê-la com outro na fila do cinema ele liga:
- O que você quer? Me passar ciúmes?
- Não. Tocar a vida sem você...
- E porque você não me contou?
- Você estava ocupado demais com cálculos, planilhas, correndo com o trabalho...
Em um segundo fez-se o silêncio de um mês de telefonemas não atendidos e desculpas dadas por e-mails...
Tu-tu-tu...

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domingo, 19 de setembro de 2010

Pressa

Às vezes é preciso falar silenciosamente com um abraço, ver com os lábios, escutar com os olhos e sentir arrepios com um toque. Ter saudade é ter pressa.

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terça-feira, 17 de agosto de 2010

Ansiedade

Às vezes tenho vontade de gritar e então grito por dentro até que meus tímpanos estourem. Mas isso não muda nada. Aliás, o que irá mudar tudo isso? Pergunta sem resposta...
É que quase sempre o tempo passa muito devagar. Ou será que estou com muita pressa? Paciência! Mas nem tenho paciência para tê-la...
Poupem-me das desculpas. Ajam, ajam, ajam... Já!

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sexta-feira, 2 de julho de 2010

Esperança



Na padaria:
- Um pão e dois sonhos, por favor.
Deliciou-se vagarosamente e pode ver até o amanhã...

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sexta-feira, 25 de junho de 2010

Solidão


Foto: Maureen Bisilliat

Como alguém pode se sentir sozinho em meio a mais de seis bilhões de pessoas? Pois ele se sentia. Sentia falta de um único alguém que ainda não havia chegado e que não sabia se viria. Em meio a tantas pessoas certas que se importavam, sempre preferiu as erradas. Então foi isso o que sobrou, essa longa solidão sem limites, essas asas que não podiam voar.

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segunda-feira, 31 de maio de 2010

Wonderland

“As coisas não fazem mais sentido. Vou desaparecer por um tempo. Por favor, não se preocupem”

sábado, 22 de maio de 2010

Por Alice

Pegou a carta, dobrou e guardou no bolso da camisa, bem perto do peito. Tinha que impedir essa loucura de Alice, afinal tinham sido feitos um para o outro, ele sentia isso.
Correu até a caixa de pertences e apanhou tudo o que poderia vender. Empenhou até mesmo as jóias que a mãe havia deixado de herança. É que perto de Alice ele esquecia do resto do mundo.
Correu até a estação e tomou o primeiro trem para o litoral, dez horas de viagem. É que perto de Alice o coração batia mais forte.
Desceu do trem, correu até o porto e entrou no primeiro navio que atravessaria todo aquele imenso oceano que os separava. É que perto de Alice as pernas dele tremiam.
Naqueles meses sentiu enjôo, fome, tédio e vontade de pisar em terra firme. Mas com Alice ele pensava no futuro.
Uma noite a tempestade veio forte, balançou o navio, sacolejou, o jogou para lá e para cá, até que naufragou. Mas ele não podia morrer porque ainda não havia beijado Alice e é claro que aquela existência só estaria completa quando os dois estivessem juntos.
Se debateu na água, ora afundava, ora vinha à superfície. Lutou contra o mar revolto, se agarrou a um pedaço do navio, acordou boiando. Alice tinha olhos cor de mel.
Ficou à deriva, rezou, pediu a Deus, tomou chuva, pegou insolação, teve medo dos tubarões. Mas Alice tinha cabelos anelados e louros, como um anjo.
Um dia apareceu um navio cargueiro que o resgatou. Como tinha vontade de ter noites de amor com Alice.
Foi levado para um hospital em terra firme. Teve alta. Trabalhou, juntou dinheiro, viajou. Pegou trem, ônibus, andou a pé, pediu carona e finalmente chegou à cidade de Alice. Enquanto caminhava à procura do endereço ia pensando no que fariam dali para frente. Amar-se-iam todos os dias, ele deixaria poemas para ela todas as manhãs antes de trabalhar, dançariam ao entardecer, ririam juntos, correriam pela casa, teriam filhos, contariam para os netos aquela incrível história de amor que começou um dia logo depois da saída da folia.
Sentiu o coração pequenino como se o peito o estivesse comprimindo, as pernas ficaram bambas. Estava do outro lado da rua quando, de repente, a porta da casa se abriu. Algumas crianças saíram correndo, uma, duas, três... seis, atrás delas uma negra. Então ele ouviu uma voz que veio de dentro da casa. Sim, era Alice! Respirou fundo, se preparou para aquele tão esperado momento. Ela finalmente apareceu. Ficou encostada no parapeito da porta ralhando alguma coisa com os meninos.
Aqueles não eram os olhos meigos de Alice, aquela não era a face doce de Alice, aquela não era a voz serena de Alice. Ela estava machucada pelo tempo, endurecida. Então ele relembrou a carta: “Está tudo acabado entre nós, tudo não passou de um amor de crianças. Vou me casar com outro”. Naquele instante Alice pareceu tão gente. Podia ser? Sim, Alice não passava de mais um alguém comum.
O coração já não batia acelerado, as pernas não tremiam, já podia pensar em todo o mundo. Virou a esquina e foi embora. Desapareceu como se nunca houvesse estado ali.

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domingo, 2 de maio de 2010

Protesto contra a falta de tempo



Resolveu fazer um protesto silencioso contra todos aqueles que não tem tempo para quem os ama. Estava farta da falta de esforço alheia em achar alguns minutos entre um trabalho e outro para um telefonema. Não agüentava mais e-mails não respondidos, as mensagens perdidas no espaço como se nunca houvessem chegado e as visitas canceladas. Em meio a toda correria, o trânsito congestionado, os jantares de gala, os compromissos inadiáveis decidiu parar. Não disse nada durante uma semana.
Pena que eles não notaram, estavam muito ocupados...

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sexta-feira, 23 de abril de 2010

Gente

Acordou. Abriu lentamente os olhos e ainda estava tudo lá como na noite anterior. Sim, era verdade. Ele havia partido. Deu um salto. Arrancou apressada o lençol, a colcha, as fronhas dos travesseiros. Correu até a máquina de lavar, queria se livrar de tudo aquilo. Teve uma ideia melhor. Pegou um litro de álcool e fósforos. Voltou para o quarto. Jogou tudo sobre a cama e fez uma fogueira. Escolheu o vestido mais bonito e saiu pensando: Hoje eu preciso de gente.

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domingo, 18 de abril de 2010

Quando o muito é muito pouco

Rosa me chamou pra sair, Lia diz que fez promessa e está até freqüentando a novena pra ver se eu namoro com ela, Marli me jogou charme, mas é de você que eu gosto. Sei não, é que esse nosso amor sem juízo parece que nasceu na contra mão.
Eu finjo que não vejo você jogando charme pra outro, que não tenho ciúmes e que não me importo quando some, mas não dá mais não.
Esses dias um amigo veio perguntar porque é que a gente não resolve se acertar e firmar um compromisso. Mudei de assunto, falei que tinha que comprar presunto e sai na correria. É que não achei jeito de falar que você não quer.
Num sei o que é que eu faço pra te mostrar que a gente pode dar certo. Você diz que me ama, depois some, vai embora e aparece só no outro mês. Fico aqui pensando que desse jeito não basta só amar.
Talvez seja melhor a gente encarar logo isso. Você diz sim, ficamos juntos, se não der certo a gente termina igual todo mundo: “O problema não é com você, é comigo...”. Vai um pra cada lado e pronto. É que assim, do jeito que a gente está, o muito que você diz me dar é pouco pra mim.

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quarta-feira, 17 de março de 2010

Coragem

Entrou no consultório do cardiologista.
- O que o senhor está sentindo?
- É que às vezes meu coração acelera, minhas pernas ficam bambas, minhas mãos ficam geladas...
- Hum... Mais alguma coisa?
- Ah, meus pensamentos...
- O que tem seus pensamentos?
- Ficam caóticos. Eu penso numa coisa e digo outra, quero andar pra um lado e vou pra outro e isso sem contar numa espécie de cegueira momentânea.
- Cegueira?
- É. Sabe quando tem um monte de gente num lugar e você só consegue olhar pra uma pessoa?
- Entendo... E quando é mesmo que o senhor é acometido por esses sintomas?
- Quando?! É... é...
- Se o senhor não me falar eu não posso fazer o diagnóstico...
- Quando eu vejo uma amiga minha...
- Uma amiga? Hum... sei...
- Sabe como é, né, doutor?
- E como é?
- Ah, também não sei direito... Um dia a gente se conheceu numa lanchonete, começamos a conversar, viramos amigos e agora, anos depois tá acontecendo essas coisas esquisitas... Doutor, é grave?!
- Bom, grave não é. É sério... O senhor está com uma doença chamada paixão, que tem fortes tendências a se agravar e virar amor...
- Ai meu Deus! Não me fale uma coisa dessas, doutor! E agora, o que eu faço? Tem algum remédio pra isso ou será que se eu fizer repouso absoluto passa?
Como resposta ouviu uma gargalhada. O único problema ali era falta de coragem...

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segunda-feira, 1 de março de 2010

Samba lelê

Esse é meu primeiro post depois do acidente doméstico que sofri no dia 17 de fevereiro. Era uma madrugada chuvosa e eu levantei para fechar a janela da sala. Escorreguei na água que entrava por ela e cai. Bom, pelo menos acho que foi isso, já que não me lembro do que aconteceu.
É que bati a cabeça com força suficiente para me fazer esquecer dois dias antes do acidente (e o acidente também). A última coisa que me lembrava foi de ter visto um homem prateado (desses que pedem dinheiro no sinaleiro) bebendo cerveja num barzinho perto do shopping Flamboyant (também, quem esquece de uma cena dessas?).
Mesmo com a cabeça quebrada (uma espécie de Samba lelê como da música) consegui ligar para um amigo, pedir socorro e ainda abrir a porta do apartamento pra ele. Depois de passarmos por vários hospitais fomos parar no Hospital de Urgências de Goiânia, o Hugo. Lá descobriram um corte na minha cabeça que me rendeu oito pontos e uma clavícula quebrada.
O mais engraçado é que enquanto meus amigos estavam loucos de preocupação comigo, eu viajava. Nos meus delírios revi todas as cenas de filmes e peças de teatro que gosto. Eu via a artista mexicana Frida Kalo desenhando borboletas no gesso, logo depois entrava num túnel negro e via as ruas de Paris em “O fabuloso destino de Amelie Poulin”, aí eu pensava “será que ainda sei falar francês?”, mas não dava tempo de formular nenhuma frase no idioma porque eu já estava no Teatro Goiânia assistindo a peça “O Cabra que matou as cabras” e vendo o ator principal do espetáculo derrubando todas as luzes do palco, entrava de novo no túnel e via uma atriz mostrando os seios e brincando como se eles fossem olhos na peça “Preciso olhar”. Mas de repente eu voltava e estava no corredor de um hospital de frente para um homem todo machucado por causa de um acidente, mas eu não entendia a gravidade daquilo, parecia uma das imagens que edito no trabalho.
Isso sem contar nas inúmeras perguntas, quer dizer, nas algumas perguntas que fiz inúmeras vezes, tais como: Onde estou? O que aconteceu? Que horas são? ou O que o Lucas tem a ver com essa história? Eram perguntas que parece que não me davam resposta e então eu as repetia várias vezes sem ouvir o que me respondiam.
E assim eu fiquei um dia inteiro: doida doida. Depois de duas ressonâncias magnéticas que não deram nada, fui liberada para ir para casa e proibida pelo enfermeiro de deixar a janela aberta durante a noite!
O engraçado é que podia ter morrido, visto que minha janela não tem grades (o que já está sendo providenciado), mas eu não tive medo disso. Pra falar a verdade, ainda não tenho. Acho que tenho aproveitado bem a vida e não consegui lembrar de algo para me arrepender.
Ah, antes que me esqueça, a memória está voltando aos poucos!

E a propósito: Obrigada anjos (terrestres ou não) que me salvaram!

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domingo, 31 de janeiro de 2010

Caixa de presentes

Passou o dia todo recortando papeis. No chão, onde cantarolava, podia-se ver lápis de cor, tinta e giz de cera. Quando terminou, colocou tudo dentro de uma grande caixa branca e amarrou com um laço vermelho.
- Pronto!, sorriu como se tivesse ganhado o prêmio por escalar o Everest.
Caminhou até a esquina. Bateu na porta e esperou enquanto ouvia passos lentos que caminhavam a seu encontro. Do outro lado ele atendeu com a mesma cara triste dos últimos meses.
Ela estendeu o presente sem dizer palavra. Ele apanhou a grande caixa branca que estava muito leve. Abriu o laço, tirou a tampa e pode ver inúmeras boquinhas feitas de papel e cor.
- O que é isso?
- É felicidade...
E uma explosão de gargalhadas invadiu a sala.

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segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

O livro de respostas

Ela pediu a ele um livro de respostas como presente de aniversário.
- Respostas? Como assim?
- É, respostas. Respostas sobre as coisas da vida...
Naquele mesmo dia ele começou a procurar. Procurou por toda a semana, na seguinte também e até na outra.
Achou livros de matemática que ensinavam que dois mais dois era igual a quatro, cinco vezes cinco era vinte e cinco. Depois iam se complicando em equações e problemas, mas todos tinham soluções.
Também descobriu os livros de física com suas leis. “A toda ação corresponde uma reação”. E = mc²...
- Não, não, não é isso...
Procurou os livros de poemas, mas eles não tinham respostas. Nem nos romances, nas peças de teatro também não, nos livros de música não encontrou, os de psicologia o deixaram ainda com mais perguntas.
- Onde é meu lugar?
- O que eu faço agora?
- Pra onde eu vou?
- Isso está certo ou errado?
- Esse ou aquele?
- Isso ou aquilo?
Ai, ai, ai, eram tantas perguntas sem respostas...
Mas enfim resolveu.
Ela recebeu o presente com uma enorme alegria. Será mesmo que tantas respostas cabem num livro tão fininho assim?, pensou.
Desembrulhou o pacote devagarzinho. E viu, surpresa, uma revista de palavras cruzadas. Olhou pra ele com olhos de interrogação e ouviu como resposta:
- Resposta mesmo só em fim de revista de palavra cruzada.

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sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Desejos de Ano Novo

Senhor,
Nesse ano me faça ainda mais forte que em todos os anos.
Para que tudo dê certo e quando tudo falhar, me dê forças.
Quando meu coração sangrar e minha alma se encher de jubilo, me dê forças.
Mesmo quando eu quiser gritar que sim ou sussurar que não, me dê forças.
Todas as vezes que eu chorar e as inúmeras vezes que rir, me dê forças.
Quando eu amar profundamente e quando odiar, me dê forças.
Mesmo se eu sentir compaixão ou raiva de mim, me dê forças.
E quando eu achar que não sou desse planeta, me dê forças.
Me dê forças, Senhor, para todas as vezes em que eu quiser ser eu mesma e o mundo quiser que não.
Me dê forças, Senhor, para suportar, suportar e quando eu achar que não posso mais suportar, que eu ainda suporte. Cada vez sempre e mais força.
Amém

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