sábado, 26 de dezembro de 2009

Lei da oferta e da procura

Pegou o grande livro e procurou atentamente até que finalmente achou: Lei da Oferta e Procura. “Nos períodos em que a oferta de um determinado produto excede muito à procura, seu preço tende a cair. Já em períodos nos quais a demanda passa a superar a oferta, a tendência é o aumento do preço”.
Então era disso que ele falava? Como basear os relacionamentos humanos em leis econômicas?
Pensou, pensou e decidiu. Pendurou no peito uma grande placa onde se lia: Não há vagas. Colocou no dedo um anel onde se lia: Para sempre.
No outro dia, dobrando a esquina, já se podia ver a fila que se formava em frente a casa. Todos queriam um pouco daquele produto tão escasso no mercado. Amor verdadeiro, diziam, estava em falta e poderia ser para sempre. Nem mesmo no mercado paralelo poderiam achar. Outros ainda contavam, como que sussurrando, sabiam de gente que tinha oferecido tudo o que tinha, mas ela havia recusado a oferta. E os mais pessimistas constatavam: É, não há saída. Dizem que até mesmo o Governo vai confiscar o que ainda resta por aí. Tem-se que estocar para o futuro.
E ela espiava rindo da janela. Um riso louco de quem não entende os seres humanos.

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segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

A árvore proibida



E por capricho colocou a árvore no meio do bosque. Frondosa, de longe a mais bonita entre todas. As frutas vermelhas e grandes exalavam um cheiro doce e convidativo.
Mas aos pés da árvore escreveu em uma pequena placa: Proibido. Sem maiores explicações, apenas Proibido. E por assim ser, as frutas chamaram ainda mais a atenção. Até que ela tentada por tudo aquilo comeu uma delas.
E dali em diante nada mais seria o mesmo...
- Proibido por quem?, perguntou Eva.
- Cala a boca menina curiosa! Não pergunte mais do que você pode compreender!, respondeu a serpente.
Saiu falando baixinho: Proibido. Mas não entendeu o verdadeiro significado, se é que há um significado quando apenas queremos.
E tudo já estava escrito antes mesmo de existirem macieiras e até mulheres.

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terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Let it be

Muitas vezes eu fui contra o destino. Muitas vezes eu me revoltei, gastei todas as minhas energias e me empenhei ao máximo em tarefas que não teriam outro fim, a não ser naufragar. Chorei por quem não devia e quis tê-los ao meu lado, mesmo quando eles já não estavam mais.
Hoje começo a perceber lentamente que há horas em que a única coisa que nos resta é obedecer silenciosamente e nos resignar. Há sempre algo melhor depois das desilusões. Como diria aquela música dos Beatles, "There will be an answer, let it be".

"Uma vez amei, julguei que me amariam,
Mas não fui amado.
Não fui amado pela única grande razão -
Porque não tinha que ser.
Consolei-me voltando ao sol e à chuva,
E sentando-me outra vez à porta de casa.
Os campos, afinal, não são tão verdes para os que são amados
Como para os que o não são.
Sentir é estar distraído"
(Alberto Caeiro)

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quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Anomia

A chamaram de substantivo indefinido. Pensou que poderia até se recolher às insignificâncias de pronomes indefinidos como nenhum, qualquer, menos ou pouco, mas decidiu que queria ser muito mais. Queria ser sim um substantivo, mas que se definisse, já bastava de coisas incertas! Quanto aos que não conseguiam decifrar o vocabulário, escreveu em letras garrafais: VIRE A PÁGINA!

"Amor, substantivo indefinido


1. Existe mesmo o amor?
Qual o seu significado?
Amor tem conteúdo?
Amor tem expressão?
Qual é a referência
para uma comparação?

2. Se o amor é uma ciência
ela é humana ou exata?

Se do amor existe imagem
é concreta ou abstrata?

E se for antropológico
é histórico ou quântico?

E se for só filosófico
é poético ou platônico?

3. Se fôssemos apelar
pelas regras da gramática
o que seria então o amor?
Verbo que não se conjuga?
Substantivo indefinido?
Metáfora desvairada?
Ou simplesmente uma cilada...
Uma coisa não gerada?
De onde veio então o amor?

4. Buscando sua origem
nos elementos fundamentais

será mesmo um fogo mágico
que arde sem se ver?

Ou será que o amor é água
que a vida faz nascer?

Pode ser que seja terra
ou na terra um vulcão!

Mas se for somente ar
o amor é ilusão..."


S.olivio


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segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Na penteadeira

Olhou para o reflexo do espelho da penteadeira. Pensou em tudo aquilo que havia sido um dia e no que era hoje. Era uma boneca de maquiagem e cabelos escovados. Sem sentimentos rotulados de românticos. Preocupava-se mais com as contas de fim de mês, em como aumentar a renda da família e a estética que com as pessoas que um dia amara. Trocou os livros de poemas e as cartas de amor por auto-ajuda barata e saques gordos em contas bancárias. Com o tempo e com os tombos da vida foi ficando assim, meio paralisada, boneca por dentro e gente por fora.

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terça-feira, 17 de novembro de 2009

Blog novo

Tenho mais um blog: www.dramaticosefeitos.blogspot.com
Lá posto críticas de cinema, teatro e agenda cultural.
Espero sua visita!

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Naquele tempo ela pensava que podia voar...

Foto: Haru O'Hara

Estava num desses sites de conversa instantânea. Mas dessa vez não foi tão instantânea assim.

- Oi

E a resposta veio depois de longos vinte minutos:

- Sorry, but I was talking to a friend.

Não entendeu a razão do inglês, mas não importava já que ela podia compreender. E ele continuou:

- Do you know who am I?
I'd love to talk with you. I have to go now.
Fique com esse texto de uma peça que estou escrevendo. Com sombreação de dúvidas, e consciência sem toque ameno.

Queria falar do roteiro que havia escrito, mas como resposta:
- No, I've never know who are you.

Naquele dia ela teve certeza de que era só imaginação. Decidiu parar de voar.

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sábado, 24 de outubro de 2009

“As três irmãs”, para pensar a vida


Foto: Divulgação

Irina, Maria e Olga, três irmãs que tem muitos sonhos, mas o principal é voltar para a terra natal, Winston. Já no começo da peça “As três irmãs”, da Traço Cia. de Teatro, o público é convidado a sonhar também. Na comemoração do aniversário de Irina, a caçula, tanto as personagens como o público fazem pedidos e apagam velas: “casar”, “voltar para Winston”, “que todos sejam felizes”, “que vocês voltem mais vezes aqui”...
O texto foi escrito em 1900 pelo russo Anton Tchekhov e foi feito para ser uma comédia, mas acabou se transformando em drama. As irmãs passam anos desejando voltar para Winston, de onde saíram com o pai, um militar já falecido. Mas sempre há contratempos, é o irmão que se casa com uma adultera e decide não mais ser professor universitário, o casamento de Irina que não dá certo, um incêndio na cidade, o casamento de Maria sem amor e Olga que não consegue um pretendente.
Cada uma das irmãs tem uma deformidade. Maria tem os braços cortados na altura dos cotovelos, Olga tem quadris muito largos e Irina é corcunda. Ao redor das três circulam personagens menores, sem grandes sonhos que os movam, como o irmão, a cunhada e os militares (todos com seus problemas morais, como vício em jogo, adultério, loucura). Essas pessoas contrastam com as irmãs, que querem sempre crescer, seja no campo afetivo ou profissional.
“As três irmãs” fala de sonhos, de esperança, mas principalmente de solidão. A solidão daqueles que são deixados para trás pelo curso da história, daqueles que são esquecidos ou que simplesmente não acham seus pares.
Mesmo estando sozinhas desde o começo da peça, elas temem estar isoladas do mundo, por isso o desejo de voltar para Wiston (onde a vida faz sentido). Elas anseiam sair do trivial, do cotidiano que enrijece os sentimentos e que sufoca o espírito. Maria, Olga e Irina não querem apenas viver, querem uma vida que as satisfaça.


A peça tem adaptação e direção de Marianne Consentino, com interpretação primorosa de Débora de Matos, Greice Miotello e Paula Bittencourt. Ótima trilha sonora executada ao vivo pelos músicos Cassiano Vedana, Ive Luna e Gabriel Junqueira. “As três irmãs”, da Traço Cia. de Teatro, de Santa Catarina, foi apresentada durante a programação do Goiânia em Cena.


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quinta-feira, 22 de outubro de 2009

A escritora de obituários

Trabalhava na sessão de obituários de um jornal há dois anos e já estava cansada de tanta morbidez. Passava os dias entre saudades eternas, adeus, vale de lágrimas, sofrimento sem fim, dor daqueles que o amam e perdas irreparáveis.
Eram dias cinzas aqueles. Já chegava na redação com cara de cansada. Os sapatos pretos desgastados combinavam desastradamente com a calça social (sempre a mesma) e blusas de gola alta, trazia o cabelo sempre preso e se escondia atrás dos óculos. Parecia que tinha o peso da morte sobre os ombros.
Naquele dia, ao sair do jornal, sentiu a necessidade de caminhar um pouco. Andou sem rumo até chegar ao parque da cidade. Sentou- se debaixo de uma árvore e, enquanto olhava o lago, lágrimas rolavam por seu rosto. Pensava na vida que era tão diferente dos sonhos que sempre tivera. Queria ser escritora e acabara na sessão de obituários.
Fechou os olhos por alguns instantes e ao abri-los deparou-se com um senhor que estava à sua frente. Ele sorria. Ela se sentiu envergonhada de chorar diante de um estranho. Ele estendeu a mão. Ela o fitou longamente.
- Vamos dançar?
Ela pensou na estranheza daquele convite, mas ele a tomou pela mão e começaram a dançar o silêncio. Ela olhava para aqueles olhos doces e aceitava ser conduzida. Ria e chorava ao mesmo tempo.
Naquele dia fez coisas que nunca havia feito. Comeu goiaba em cima de uma árvore, deu comida aos peixes do lago, brincou com as crianças do parquinho, conversou horas com aquele homem que nunca tinha visto antes, confiou em alguém. Nunca foi tão ela como na presença dele. Se encontrou naquele desconhecido.
No outro dia os colegas de trabalho estranharam quando ela chegou de vestido florido, cabelos soltos, salto e maquiagem. Sentou-se como se não tivesse notado os olhares curiosos, escolheu qual seria o obituário e escreveu:

“Maria da Silva nasceu, cresceu e morreu. Seguiu o ciclo da vida, não há mistério nenhum. Amou muito, dizem que foi amada. Gostava de brigadeiro de colher e por isso engordou vinte quilos. Tinha como principal passatempo atazanar a vida do único genro. Dizem até que a moribunda sussurrou no ouvido dele antes da passagem para o além: ‘Volto para puxar seu pé’. Deu o último suspiro e morreu.”

Feito isso, entregou para o diagramador e saiu para nunca mais voltar.

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terça-feira, 13 de outubro de 2009

Adeus

Naquele dia ela teve que se despedir. O que fazer nas despedidas? Havia muito para falar, coisas a descobrir, cumplicidade quase que desconhecida, quem sabe planos de até logo, mas ela não conseguiu. Quando se encontra alguém de quem não se quer separar nada mais resta que um longo abraço. Adeus.

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quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Colcha de retalhos

Chocolate com morango comido lentamente. Carinho na nuca. Olhos fechados pra escutar melhor. Música agitada. Dança do ventre. Dor com prazer. Brinde com champanhe. Sorriso de canto da boca.

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segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Palavras e silêncio

Palavra: 1. Fonema ou grupo de fonemas com uma significação; termo, vocabulário. 2. Sua representação gráfica. 3. Manifestação verbal ou escrita. 4. Faculdade de expressar ideias por meio de sons articulados; fala. 5. Modo de falar.

Mas e quando esvaziamos esses significados? Quando usamos uma palavra quando na verdade queremos expressar exatamente o contrário? E quando simplesmente não dizemos com medo do que o outro vai pensar?
Muitas vezes temos medo das palavras e da força que elas podem ganhar, aí, simplesmente não dizemos. Temos apenas como resposta: “Não posso responder...”, isso quando há resposta. Às vezes o silêncio impera mesmo quando temos o que dizer. Mas é mais cômodo e menos perigoso não falar. É que quem não se fala não se arrisca, não se arrepende depois, não deve prestar contas do que foi dito, não se culpa e não teme.
E assim vamos ficando com perguntas no ar. Frases não ditas e silêncios cada vez mais prolongados. Certa vez, conheci um homem que mesmo depois de cinco anos de namoro não dizia eu te amo para a namorada. “Ela vai se achar se eu disser”. O que ele não podia ver é que na verdade ela ia deixar de achar e ter certeza se ele falasse.
Há também aquele silêncio que incomoda. Não há nada que incomode mais do que o silêncio quando você quer ouvir tudo: bom ou ruim, mas que deve ser dito. É melhor ouvir algo não agradável do que a indiferença. Certa vez escrevi um e-mail muito importante para mim, esperei semanas pela resposta, dia após dia eu conferia minuciosamente e ansiosamente minha caixa de e-mails, mas a resposta nunca veio. Tive que escutar tempos depois: “Não posso responder seu e-mail”. Eu preferia um “não” a essa resposta que não define nada e que dá muitas margens de interpretação.
Mas o que realmente tem me deixado encabulada nos últimos tempos é a capacidade que nós seres humanos temos de usar palavras estéreis.

Estéril: 1. Que não produz; infecundo, ingrato, sáfaro. 2. Em que não se produz ou não se realizou.

Palavras estéreis são aquelas que não frutificam e que acabam no mesmo instante em que são ditas. São amontoados de “eu te amo”, “querido”, “amiga”, “te perdoo”, “desculpa”, “não farei mais isso”, “meu anjo”, “meu coração” e tantas outras coisas que não vão além disso: de palavras. Sem significado verdadeiro, ditas para não serem mais lembradas, esvaziadas de todo o sentido que deveriam ter. Palavras que se contradizem com as ações e os sentimentos.
Não é preciso dizer que ama quando não se ama, nem dizer que está com saudades se não está. Nem é necessário pedir desculpas se realmente não se sente arrependido e se vai fazer tudo aquilo de novo. Não há porque falar sim quando se quer falar não e também não precisa ser o contrário.
As palavras mais bonitas que já ouvi saíram dos olhos de pessoas que me amavam, de pequenos gestos de carinho do dia a dia e as mais estéreis vieram cobertas por lindos sons articulados. É, são assim essas coisas que chamamos de palavras....

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quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Pedido de casamento

Não se viam há dois anos.
- Oi!
- Quer casar comigo?
- E já instituíram a bigamia no Brasil?
Sorriso
– Eu me separei.
- Nesse caso a resposta é sim.
- Quando?
- Só não pode ser agora porque estou ocupada arrumando o som do palco.
- Como será?
- Como você quiser. Com festa, sem festa, com convidados, sem convidados. Posso ir vestida de branco, vermelho ou até de fantasia. Pode ser numa capela, na maior igreja da cidade, no cartório, num templo budista, pendurada num guindaste, me jogando de bungee jumpe, debaixo d’água ou rolando nas areias de uma ilha havaiana gritando “honalulu”.
Mais sorrisos.
- O que importa é o que está aqui dentro. (Ela toca o peito dele)
- Te amo!
- Também te amo!
- Estou falando sério!
- E quem disse que estou brincando?

Para ouvir "Nosso estranho amor": http://www.youtube.com/watch?v=zpWAiRBIlXk

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domingo, 27 de setembro de 2009

Saudade

Naquele dia sentiu tanta saudade que seria capaz de tocá-la, assim como tocamos coisas materializadas. Pensamentos, sorrisos e um gosto de passado vieram à tona. Lembrou-se de cada momento, de cada encantamento. Achou que não poderia encontrar o por que de tudo isso ter começado, mas também não achou a razão de ainda não ter terminado.
Tentou ler, escrever, comer, olhar pela janela, mas nada fez com que passasse a saudade. Se odiou e se amou por isso. Não dava para ligar e não tinha palavras para um e-mail. Nada resolveria.
São essas coisas que devem ser esquecidas, mas que insistem em durar na memória.

“Aonde está você?
Por que é que você foi?
Não quero te esquecer
Mas já fiquei tão longe, longe
Não dá mais pra voltar
Eu nem me despedi
Aonde é que eu vim parar?
Por que eu fiquei tão longe, longe, longe, longe”
(Arnaldo Antunes)

Para ouvir: http://www.youtube.com/watch?v=KxQF00oT3dU&feature=related


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segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Pra não ganhar a caneta da prefeitura, resolvi estudar

Quando somos crianças, algumas pessoas são fundamentais para nos ajudar a desenhar o que seremos no futuro. São aquelas pessoas que nos mostram luzes lá no fundo e que vamos seguindo.
Alguém fundamental para que eu me tornasse o que sou hoje foi meu padrinho. Ex-piloto de aviões, aposentado depois de caiu no mar, apaixonado por livros e principalmente a pessoa mais excêntrica que conheci na vida.
Meu padrinho tinha os cabelos grisalhos, usava óculos de massa (numa época em que isso não era moda) e vestia camisas que variavam de cinza à azul claro.
Sempre que eu chegava na casa dele (uma das maiores casas que entrei na minha infância) curiosamente ele estava no banho. Era muito divertido. Ele passava horas debaixo do chuveiro cantando óperas na maior altura possível e sem se incomodar com as visitas. Eu não entendia direito que gritaria era aquela, mas gostava.
Enquanto minha madrinha se ocupava em me dar bonecas, ele me apresentava a leitura. Mesmo quando eu mal sabia ler, ele já fazia assinaturas de revistas infantis pra mim. Uma revista divertida chamada “Nosso Amiguinho”, com histórias, brincadeiras, coisas para pintar, colar e recortar.
Era ele também que se impressionava com os desenhos que eu fazia aos três anos de idade. Para ele, eu deveria ser matriculada imediatamente numa escola de artes e viraria um gênio das artes plásticas!
Mas a cartada fatal veio quando eu estava no segundo ano do Jardim da Infância. Um dia a professora brigou comigo e eu decidi parar de estudar (no auge da minha rebeldia de quatro anos de idade). Meu padrinho, implacável, veio me dizer que se eu não estudasse eu ia ganhar a caneta da prefeitura. Caneta da prefeitura?! É, a vassoura usada pelos garis para varrer as ruas. E assim eu passaria todos os dias da minha longa vida limpando as ruas de Goiás.
Preferi voltar pra escola...

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domingo, 13 de setembro de 2009

Chegou em casa depois de mais um dia exaustivo de trabalho. Caminhou até a varanda para saudar os passarinhos. Mas não havia mais pássaros. A porta aberta da giola denunciava que algo de errado tinha acontecido. Caminhou incrédula pelo jardim. Olhou cada árvore à procura deles. Nada.
Entrou em casa e pode sentir o peso da solidão. As paredes haviam se agigantado, os cômodos estavam maiores, começou a reparar em espaços nunca antes vistos. E lá não havia ninguém.
Sentiu uma buraco abrir-lhe o peito. Algo que comprimia o coração. Deixava a respiração mais curta. As lágrimas rolaram pela face. Queria um abraço.
Correu até o armário e pegou a caixa velha de giz de cera. Desenhou pessoas nas paredes. Assim não estaria mais só.

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sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Descansa coração

Naquele dia ela estava cansada até para escrever...
Dormiu abraçada com o travesseiro, como se ele pudesse protegê-la do medo que estava sentindo.

Para ouvir: http://www.youtube.com/watch?v=TAhv4f3EHWg

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segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Waffles com suco de uva

Algumas coisas são tão simples que me impressionam. Agora mesmo chove lá fora. Gosto de olhar a simplicidade da chuva. Ela cai e pronto. Lava a rua, os pontos de ônibus, os troncos das árvores, minha janela e tudo o que encontra pelo caminho. Aposto que os pingos d’água não questionam para onde devem correr quando tocam o chão. Eles vão...
Fico pensando porque algumas coisas são complicadas. Na verdade eu queria saber por que complicamos as coisas, principalmente as do coração. Às vezes somos mestres em tornar as coisas mais difíceis pra nós mesmos.
Certa vez ouvi de uma amiga que um casal de conhecidos dela iriam se casar. O namoro havia começado com um convite. Um dia a moça passava por uma praça e ele disse: “Vamos comer waffles de chocolate com suco de uva na minha casa?” E ela foi. Aí começava o namoro que se transformaria em casamento. Aposto que hoje eles comem arroz com feijão enquanto riem ou brigam por alguma coisa. Simples assim...
Imagine se o rapaz ficasse pensando que para agradar a moça deveria levá-la num restaurante caro, comer uma comida chic, acompanhada pelo melhor vinho? E se ela, ao receber o convite para comer waffles com suco tivesse pensado que a roupa não estava adequada, a sobrancelha não estava feita ou o cabelo despenteado? Não teria namoro, nem casamento e muito menos história simples.
Às vezes é preciso deixar as coisas fluírem. Como aquela música dos Beatles “Let it be”. É, acho que vou ali aprender como cair com a chuva...

Para ouvir: http://www.youtube.com/watch?v=YBPFvp750sc

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quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Com amor


Há muito tempo venho percebendo sua indiferença. Já não há mais graça nas nossas antigas graças. Você não ri mais das minhas piadas, não se interessa por minhas histórias e diz que está cheio das minhas poesias. O macarrão que você gostava tanto hoje já não tem sabor, da nossa sobremesa preferida (uma mistura maluca de sorvete de morango, chocolate e maracujá) você enjoou.
Seus olhos distantes já não veem mais minhas roupas novas, o cabelo cortado ou até mesmo quando passo de lingerie na sua frente. Mas eles são capazes de ver tudo aquilo que possa ser criticado: quando eu como diante do computador, minhas celulites antes imperceptíveis, meu tênis sujo de lama depois de um dia chuvoso...
Sinto que por mais que amemos alguém e por mais que esse alguém seja interessante, um dia começamos a nos desinteressar. Acho que é isso que está acontecendo com você. Talvez nosso amor esteja pendurado por um fio, o fio do comodismo, única coisa que resta depois desses anos vivendo juntos.
Tenho medo do que possa acontecer. Medo de que nossas brigas nos tornem desprezíveis um para o outro. Se continuarmos assim, talvez não reste nem respeito. Tremo só de pensar que um dia meu nome pode se tornar impronunciável pra você. Não quero que nosso amor seja lembrado como algo que nos machucou.
Escrevo essa carta porque estou indo embora. Pode abrir o guarda roupa, não há nada lá (fiz minhas malas durante dois dias e você sequer notou). Embarco hoje para Paris. Vou fazer o curso de Arte que sempre quis e que adiei quando nos conhecemos.
Deve estar se perguntando porque não falei tudo isso pessoalmente. Sei que seria o certo, mas não posso. Você bem sabe que costumo fugir de assuntos desagradáveis (como quando brigávamos e eu apenas te abraçava e chorava para não falar coisas ruins ou apenas fugia da conversa). Hoje, eu não podia olhar nos seus olhos e dizer adeus.
Quero guardar comigo apenas as recordações boas. Quero lembrar para sempre do nosso primeiro Natal juntos, quando você apontou para o céu e me deu uma estrela (presente que nunca acabaria); das cartas que me mandou quando ficou seis meses na Alemanha; de quando dançávamos depois do jantar; dos poemas que eu lia pra você antes de dormir; de quando quebrei a perna e você cuidou de mim; de todas as vezes em que estava triste e você soube exatamente o que dizer. Mas principalmente quero lembrar dos seus olhos de admiração quando me conheceu, do seu sorriso radiante e de como ficava desconcertado ao me ver. É assim que quero lembrar de você, com a pureza dos amores que começam.
Devo partir antes que tudo acabe definitivamente...


Esse texto é um meme proposto por Isa Sousa. A idéia é escrever um texto como se rompesse com alguém. Regras do meme: 1) Escrever uma carta como se estivesse rompendo com seu namorado. 2) Escrever estas regras e uma breve explicação do que é o meme. 3) Indicar cinco pessoas.

Li o texto da Lian no blog dela. Achei lindo e, para minha surpresa, ela me indicou para fazer um também. Eu, que nunca tive coragem de terminar com ninguém achei ótimo escrever uma carta dessas!

Eu indico: Karine Insuela, Aline Leonardo, Tereza Cristina, Marilena Gomes e Daniella Barbosa. (Escolhi pessoas que acho que farão textos lindos!)

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quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Universo ao redor


E então ela se mudou. Apartamento maior, com mais cômodos para acomodar sonhos. Na porta da sala pendurou um gato de tecido e na da cozinha, galinhas também de pano. Borboletas voam pelo espelho. Na janela, outra paisagem.
A atriz ainda não sabe que número fará no novo cenário. Imaginava como seria o espetáculo quando uma abelha entrou pela janela e sobrevoou a cama em que ela estava. Pensou: “Talvez aqui a vida será mais doce”.


P.S: Para Silva: http://www.youtube.com/watch?v=dN0A0ZSfnj4&feature=channel

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sábado, 22 de agosto de 2009

Festival do Boneco - a viagem


Foto: Divulgação "En Camino"

Terminou ontem o Festival do Boneco com o espetáculo argentino “En camino”, de Sergio Mercúrio. A peça conta a história de um jovem que viaja. E é bom ressaltar, como o próprio titeriteiro faz, que viagem não é como sair de férias. Viajar é entrar em contato com culturas e pessoas diferentes, deixar-se mudar, estar disposto a voltar diferente.
E nessa viagem ele encontra diferentes personagens: um boneco teimoso que quer ir à praia, uma avó que quer arrumar namorado para todas as moças solteiras da plateia, um bêbado poeta, um homem tímido que não fala e uma bailarina.
“En camino” é divertido, sensível e poético. Foi uma ótima escolha para o fechamento do Festival. Por meio da peça podemos lembrar e percorrer um pouquinho desses dias em que Goiânia foi invadida por bonecos. Uma viagem que, para o público, começou com um desfile de bonecos no Vaca Brava e terminou ganhando balinhas de uma avó que não ouve o neto que quer viajar. Muito mais que uma viagem com começo e fim, o Festival foi feito de bonecos dos mais variados e histórias de todos os jeitos.
Histórias requintadas como a de “Big Bang” que conta desde a criação do planeta até os dias atuais ou apenas histórias como as de “O cata vento” que fala de um boneco que quer sair pelo mundo levado por um cata vento. Os gêneros também variaram como “Sob a Luz da Lua”, que mistura terror e comédia na narrativa de um mendigo, ou peças como “Mateus, o último homem da cobra”, uma comédia que fala de um homem comido por uma cobra e seu compadre trapalhão.
Bonecos simples como os de “Mateus, o último homem da cobra” ou sofisticados como de “Criações Cia. Nazareno de Bonecos” que mostra um pouco da cultura brasileira com um gaúcho e até capoeiristas em cena. Muito mais do que bonecos manipulados, prevaleceram os teimosos, assim como Bob de “En camino” ou Zoquete de “O cata vento”. Eles dialogam com os manipuladores e querem saber sua origem e principalmente decidir o que vão fazer. Personagens que sobrevivem além dos bonequeiros.
O Festival do Boneco encantou as crianças que nesses dias se sentiram mais próximas do teatro, talvez pelo fato de bonecos estarem em cena. Muitas vezes os pequenos não se continham e gritavam alguma coisa para os personagens no meio do espetáculo. E também eram capazes de subir no palco como se já fizessem parte da peça. Mas o Festival mostrou principalmente que teatro de boneco não é só para as crianças. É coisa de adulto sim, com enredos inteligentes e manipulação apurada.
Sem dúvida nenhuma, quem encarou a maratona de espetáculos conseguiu entrar em contato com uma cultura pouco difundida em Goiás. E que agora, vira ponto de partida para algumas mudanças.

Obs.: Os espetáculos não mencionados não foram assistidos pela autora.

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terça-feira, 18 de agosto de 2009

Como se faz um ator e também um personagem


Foto: Divulgação
Os três últimos espetáculos do Festival do Boneco dialogam entre si. É que de um modo ou de outro, eles falam sobre a criação do personagem e também do ator-manipulador.
“Mateus, o último homem da cobra”, do Mamulengo Presepada (DF), apresentado dia 16, traz o palhaço Mateus da Lelé Bicuda. Ele brinca com o público e ao contar uma história, dá a receita para se formar um ator. É que para o ofício precisa ser sem vergonha e ter fé. Sem vergonha para não se intimidar diante do público e ter fé para acreditar nos truques e desafios que deve realizar em cena. E assim ele mostra que uma pessoa da plateia pode se tornar um ator e que qualquer um de nós também. A partir daí fica fácil uma das crianças que assiste o espetáculo ser voluntária em uma das brincadeiras da peça.
Logo mais à noite, foi a vez da peça “O cata-vento (El molinete)”, do Grupo Gestus (SC). O espetáculo fala justamente da criação de um personagem. No princípio, Zoquete é só uma meia, mas vestida no braço do ator, se torna um boneco. Aí começam alguns questionamentos: Até onde o boneco pode ir sem seu manipulador? Será que uma vez criado, o boneco pode ganhar vida além de seu criador?
Zoquete quer partir, quer conhecer o mundo, quer viver sozinho e ter vida própria. Mas o manipulador tem ciúmes e não quer que ele parta. Chega até mesmo a desafiá-lo e diz que o boneco feito de meia não pode existir sem ele. Mas Zoquete tanto pode, como existe sem o bonequeiro, e assim ele vai embora procurando outros ares.
Outro fato interessante também foi o boneco gigante (Abílio Carrascal) que representa o Festival. Cicerone das apresentações, ele explica que na segunda-feira (dia 17) não haverá espetáculos porque os bonecos vão se reunir para discutir um assunto muito importante: Acham que estão sendo manipulados.
No dia 18, é anunciado o que foi concluído na fictícia reunião: Sim, realmente estão sendo manipulados. Mas eles já se articulam contra isso.
E aí temos a apresentação da Cia. Nazareno de Bonecos, com cenas curtas. O boneco Nanetto Pipeta adverte em relação à discussão manipulador/boneco: O problema não é ser manipulado, mas ser mal manipulado. E no fim do espetáculo ele completa: “Os manipuladores são as almas dos bonecos. Os manipuladores vão, os bonecos ficam e as histórias continuam”.

Quem quiser conhecer um pouquinho do trabalho da Cia. Nazareno pode ver a apresentação deles no Domingão do Faustão. Vale a pena, eles são muito bons:
http://www.youtube.com/user/nazarenobonecos

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sexta-feira, 14 de agosto de 2009

“Big Bang”, a criação mágica do universo


Foto: Paulo Brasil

A Cia. Truks (São Paulo) não faz teatro de bonecos, faz mágica em cena. O espetáculo “Big Bang” , como o próprio nome diz, conta a história do surgimento do universo. Não só do surgimento, mas também a história do homem.
Como não deixaria de ser, tudo começa com uma explosão. No palco, uma esfera fosforescente se parte em inúmeras outras. Ao som de uma música instrumental tocada no piano, os pedaços de universo se espalham, até surgirem planetas. Grandes e pequenos eles giram em suas órbitas até que avistamos a Terra. Logo, surgem foguetes, e no rastro de um deles, brinca um boneco como se estivesse numa corda bamba.
As passagens de tempo são marcadas por letreiros. Mas não há uma data exata, apenas indicações como “Iabadabadú” para a Idade da Pedra, “Dilúvio” que simboliza o crescimento populacional e a também a passagem bíblica, “A navegação” onde vemos as conquistas marítimas ou a “Grande navegação” que mostra a conquista espacial.
A trilha sonora é impecável. Músicas instrumentais se misturam às onomatopéias dos personagens. Os manipuladores contracenam com os bonecos. A expressão facial dos atores é sempre muito marcante, como se eles estivessem observando os personagens o tempo todo. Além disso, há partes em que há a interação entre os dois grupos, como durante conquista espacial. O boneco astronauta tenta por tudo chegar até a lua e, para isso precisa de uma ajudinha de um humano.
Logo depois dos planetas no começo do espetáculo, a Cia. Trucks já mostra a que veio. Dois bonecos representam a Idade da Pedra. A descoberta do próprio corpo, do outro e também do prazer. O jogo de conquista é muito divertido, com direito a um tango pré-histórico. E é claro que tudo isso acaba com o nascimento de um bebê. E a partir daí, muitos outros bebês aparecem em cena, na verdade uma explosão de bebês de espuma.
Uma das partes mais divertidas é quando o astronauta tenta chegar à lua. Ele faz de tudo, até mesmo arrumar uma catapulta para impulsioná-lo para que chegue lá. O ajudante dele nessa tentativa é um ator. Além de ajudar fisicamente, o humano utiliza algumas placas durante a cena. “Rew” para que o bonequinho volte para a catapulta, “FF” para que o astronauta voe mais um pouco, e “Stop” para que ele pare em cima do satélite da Terra.
Há também cenas em que a companhia utiliza tecnologia, como quando o homem moderno cai dentro da televisão. É uma tv de verdade e, uma animação, faz com que tenhamos a impressão de que os atores, que estão ao redor do aparelho, manipulam o boneco que está lá dentro.
Esse é um daqueles espetáculos que deveriam vir em caixinhas de presente e entregues para pessoas especiais.

Veja um pouco do espetáculo aqui: http://www.youtube.com/watch?v=kqcly_8qgGk

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quinta-feira, 13 de agosto de 2009

O tempo


Me deu vontade de tecer e destecer um tapete, como Penélope em Ítaca. Hoje não quero dormir. Queria apenas ouvir a sua voz. Agora não quero escutar o canto das sereias que chamam Odisseu. Minha vontade é de estar perto. Nesse instante não importa quanto tempo duram esses anos. Vou escrever um poema. Nessa noite não dá para esperar o destino. Estou traduzindo uma música. No frame que já passou não há culpa. Venha me contar um soneto.

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quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Por um triz


Foto: Mayara Vila Boa

Provavelmente essa é a última semana que a atriz verá essa paisagem cheia de prédios iluminados que se perdem no horizonte. Depois de quatro anos e meio ela vai se mudar do arranha-céu para outras paredes feitas de giz.
E ela vê tudo isso com alegria, como quem troca o cenário por um maior. Já ensaia textos e bailados que poderá executar em sua nova sala, no novo quarto com uma janela aberta para um outro horizonte.
“Vai sentir saudade?”, perguntam.
E ela responde que não. Já viveu tudo o que tinha para viver ali. Explorou todos os espaços, conhece cada parede, cada vão que junta poeira e sentimento. Agora é hora de mudar. Na mala levará as lembranças felizes.


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domingo, 2 de agosto de 2009

Tudo o que é bom merece ser revisto

Foto: Milena Jezenka

Muita gente não entende porque eu assisto o mesmo espetáculo teatral mais de uma vez. Alguns me olham com espanto e perguntam: "Mas você já não assistiu essa peça?". E eu, orgulhosamente respondo que sim e vou além, como quem passa vontade no outro quando está comendo algo muito bom, digo que já vi 2, 3, 6 vezes (depende da peça).
No fim de semana passado eu assisti "Preciso Olhar", da Cia. de Teatro Nu Escuro pela segunda vez. Foi muito bom para poder formular esse post. Um espetáculo é sempre mutante. Por mais que tenha coisas fixas, como o texto, a marcação cênica, o cenário, sempre acontecem coisas novas. Um ator que esquece uma fala, alguém da plateia que fala uma gracinha e até mesmo uma reformulação na peça.
Na apresentação da Nu Escuro fiquei prestando atenção na plateia (adoro fazer isso). Como os públicos são diferentes, as reações diante das cenas também são diferentes. Um exemplo disso foi quando os atores falavam como seria um tapa na cara no teatro infantil, como o Goiânia Ouro estava cheio de atores, o riso foi geral. Algo que não aconteceu na estreia da peça no Teatro Goiânia, em março.
Outro espetáculo que eu posso falar com propriedade é "O Cabra que Matou as Cabras", também da Nu Escuro. Eu o assisti seis vezes. Acho que a melhor apresentação foi a do Teatro Goiânia, quando a Cia. ganhou o prêmio de melhor peça do I Festival de Teatro de Goiânia. No meio de uma cena, o Abílio Carrascal derrubou todas as lâmpadas que ficavam no palco. Foi muito engraçado. A plateia achou um máximo! Todo mundo riu muito como se aquilo fosse parte da peça.
A primeira vez que assisti "Balé de Sangue", com o Anselmo Soares, era a estreia e achei mal. Até escrevi, na época trabalhava no Diário da Manhã, que ele podia trocar algumas cenas de lugar. E quando assisti da segunda vez, realmente as cenas estavam invertidas, o que deu outra cara para o espetáculo, o fez ficar mais denso e gostei muito.
Além das diferenças que os atores e a plateia proporcionam, há também a minha percepção do espetáculo. Como na primeira vez que assisti "Balada de um palhaço", com o Grupo de Teatro Arte e Fatos, fiquei chocada. Gostei muito, mas saí do teatro um tanto baratinada com aquela história do empregado que queria fazer algo diferente do que fazia todos os dias, mas era obrigado pelo patrão a trabalhar maquinalmente. Naquele momento da minha vida me senti como o Bobo Plin, o personagem. Mas na segunda, o sentimento já não era o mesmo. Era só apreciação mesmo, consegui só ver o quanto era bom e belo.
Há também aquelas peças que gostaria de ter assistido muitas e muitas vezes, mas que não pude, como a "Pedra do Reino", do CPT, ou Pinóquio, com a Cia. Giramundo.
É isso... tudo que é bom, merece ser visto mais de uma vez!

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quinta-feira, 30 de julho de 2009

Enloucrescendo


Estou diante de uma grande decisão e, na minha ansiedade, só consigo pensar:

"Crescer enlouquece!"

Cadê a camisa de força?

sábado, 25 de julho de 2009

Aniversário do Blog

Há pouco mais de um ano eu criei esse blog. Nossa, como o tempo passou rápido! Tão rápido que só hoje percebi que esse meu espaço aqui já deveria ter feito aniversário.
Li o primeiro post e ainda tenho as mesmas dúvidas e a mesma ânsia de escrever. Sim, várias coisas aconteceram, boas e ruins, mas ainda tem um coração “estúpido, ridículo e frágil” batendo por aqui. É claro que ele tem algumas cicatrizes a mais, alguns remendos, feridas curadas e profundezas ainda inexploradas.
E é esse coração que inventa histórias, que fala empolgado das coisas, que lamenta e que se exalta nesse espaço chamado blog que de tão meu passou a ser de todo mundo. Letras, palavras, frases, que, uma a uma, vão deixando nas entrelinhas alguma mensagem pra você, assim como naquela história infantil em que os personagens jogam pedaços de pão para marcar o caminho. (Só espero que os pássaros não comam os pães que joguei por aí).
Aqui posso escrever o que quiser. É o espaço das coisas não ditas por outros meios, é o local exato das palavras que devem ser inauditas, onde as histórias ficarão seguras, onde não há riscos e nem culpa. E é também aqui que posso sonhar que alguém de muito longe pode me ler.

“Tu sabes como é grande o mundo.
Conheces os navios que levam petróleo e livros, carne e algodão.
Viste as diferentes cores dos homens,
as diferentes dores dos homens,
sabes como é difícil sofrer tudo isso, amontoar tudo isso
num só peito de homem...sem que ele estale.

Fecha os olhos e esquece.
Escuta a água nos vidros,
tão calma. Não anuncia nada.
Entretanto escorre nas mãos,
tão calma! Vai inundando tudo...

Renascerão as cidades submersas?
Os homens submersos -voltarão?
Meu coração não sabe.
Estúpido, ridículo e frágil é meu coração.
Só agora descubrocomo é triste ignorar certas coisas.
(Na solidão de indivíduo
desaprendi a linguagem
com que homens se comunicam).”

Carlos Drummond de Andrade em Mundo Grande

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quinta-feira, 23 de julho de 2009

“Boi”, o amor entre um ser humano e um animal

Foto: Layza Vasconcelos


Zé Argemiro (Guido Campos), um menino pra lá de diferente dos outros meninos, só quer saber de estar na companhia dos bois. Gosta de ver a nuvem de poeira que os animais fazem ao pisar o chão do cerrado, gosta de banhar-se no rio com os bichos, gosta de acompanhá-los até mesmo à noite. Ama o boi Dourado.
Ele cresce e essa esquisitice preocupa a mãe. Para uma mulher sertaneja, que lida na roça, o melhor é que o filho case logo. Para isso há as filhas de um compadre, Das Dores e Dos Anjos. Zé Argemiro pode escolher entre a meiguice de Dos Anjos, que serve café quente e o fogo de Das Dores, que serve café frio.
Para a dor de Argemiro ele escolhe Das Dores. Logo a mulher começa a ter ciúmes de Dourado. É que o marido dá mais atenção ao boi que a ela. Mas o pior é que ele vai se tornando meio bicho, meio gente. Para Das Dores até a língua do esposo é áspera como a do animal. Louca de ciúmes, Das Dores planeja algo macabro para que Zé Argemiro se afaste do boi que tanto ama.
Essa é a peça “Boi”, com texto original de Miguel Jorge, direção e adaptação de Hugo Rodas. Todos os personagens são representados por Guido Campos. Um exercício e tanto para o ator que tem que se desdobrar em múltiplos personagens. Apenas a mãe de Zé Argemiro ficou muito parecida com a mãe do personagem de “A Terceira Margem do Rio”, monólogo também apresentado pelo ator. Guido mostra um excelente trabalho corporal que pode ser visto em cada cena, cada movimento e é claro, quando ele dança no palco.
A iluminação ajuda a compor o cenário de penumbra e de mistério. A luz ajuda a perguntar: Onde é que isso tudo vai parar?
O cenário é composto por uma mesa e o fundo do palco é coberto por placas de alumínio que refletem o que se passa em cena com determinado tipo de luz. O que faz com que algumas cenas fiquem realmente lindas, refletidas inúmeras vezes ao longo do material.
Quem for assistir, não esqueça de pegar as bandeirolas no começo do espetáculo! Tudo pelo bem da interação da platéia com o espetáculo, é que esse negócio tá na moda!


“Boi” foi apresentada no teatro Goiânia Ouro entre os dias 18 e 20 de julho.
Quem ficou com vontade de assistir, será reapresentada hoje, dia 23 e dia 30 às 21h também no Goiânia Ouro.

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quarta-feira, 22 de julho de 2009

Era uma vez no Oeste


Estava doida para saber o que era esse tal de Western Spaghetti que a crítica da Veja Isabela Boscov havia comentado na oficina de Crítica de Cinema durante o Fica. Depois de pesquisar sobre o assunto fui assistir "Era uma vez no Oeste", de Sérgio Leone. Estou fascinada!
A fotografia é linda, a história é muito interessante, não há previsibilidade. Mas o que mais gostei mesmo foi da trilha sonora. Logo eu que não entendo muito de música. Cada pistoleiro tem a sua música e é muito interessante como ela traduz como é aquele personagem no filme.
A música do mocinho Gaita é algo misterioso, a do vilão Frank é pesada e a de Chayenne é uma coisa meio bandoleira, como se ele não estivesse nem aí pra nada.
Muito bom o filme! Recomendo!

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sábado, 18 de julho de 2009

A carta

Seu Cartero, faz o favor de intrega essa carta pro Zé, meu marido. É qui ele foi pra São Paulo trabaia i nunca mais qui vorto. O Mané da venda disse qui São Paulo é uma cidade grande, mas acho qui num há de se difícil acha ele. Aqui ele é conhecido como Zé das Onça, tem o cabelo e os olho preto, num é nem muito arto, nem muito baxo e é muito bão na inchada. Num há di se difícil de achá, é só perguntá pelo marido da Rosinha, filha do Artino. Ele é cunversadô e o povo logo há de sabe quem é.
Muito agradecida,
Rosinha

A carta...

Zé,
Hoje faz 4 ano que ocê foi praí e nunca mais deu nutícia. Fico aqui rezando pra ocê num tê se perdido nesse mudareu de rua que diz que é essa cidade. Escrevo procê pra dizê que os minino tão bem.
O Bentinho tá trabalhano na roça do Nicolau, monta a cavalo bem qui nem ocê. O Chico aprendeu umas moda de viola naquela sua viola velha e anda por aí contano qui nem passarim. Esses dias vei um circo aí na vila e a Ritinha quase morreu de alegria quando viu aquela mulher que balanga lá no arto. A Ritinha, aquela boba, inté choro de alegria, achano que a moça fazia era vua.
Mas o que eu queria memo é pergunta procê se ocê num senti sardade. Sardade do arroz cum piqui, do frango cum milho, da pamonha nos dia frio, do leite quente que eu esquantava procê todo dia cedo, das nossa mão dada na hora de drumi. Eu quiria era sabe se ocê ainda pensa ni mim.
Fica cum Deus,
Rosinha.

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sexta-feira, 17 de julho de 2009

Não me metam medo

Nãoooo! Eu não quero mais ouvir essas notícias!
Não quero mais ouvir a história de um adolescente de 16 anos que foi baleado por dois jovens de 23 anos ao sair do cinema em Goiânia.
Também não quero mais saber de fatos como os que aconteceram com duas adolescentes mortas perto do córrego Santo Antônio, em Aparecida de Goiânia, por outros quatro jovens. O motivo? Vingança, é que o irmão de uma das vítimas tinha uma dívida de drogas.
E aquelas duas irmãs, uma de 13 outra de 14 anos achadas mortas perto do córrego Santo Antônio? Por favor, não, não e não! Não suporto lembrar que um menor de apenas 17 anos, ex-namorado da menina de 14, confessou o crime e disse que matou porque ela merecia, já que ela não queria mais namorar com ele!
Céus!
Por favor, gente, um dia eu ainda quero ter quatro filhos e uma família de comercial de margarina. Não me metam medo...

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quarta-feira, 15 de julho de 2009

Medo de saltar

Estou maravilhada com o silêncio que faz aqui essa hora da noite, ou melhor, do dia que mal começou. Nem abri a janela com medo de que um pequeno ruído pudesse entrar. É assim que quero ficar, preenchida de silêncio. Quero continuar vendo as ruas lá fora e não notar nada de especial, a não ser um carro solitário. Grandes quarteirões cobertos por escuridão, pequenas janelas com luzes acesas, pequenos pontos de luz que se perdem por aí.
É que tenho andado com a cabeça a mil. Mil e uma idéias, questionamentos, inquietações e vontades. É tão estranho ter saudade de coisas que nunca vivi. Tenho vontade de mudar, mas não sei por onde começar. Não falo de mudanças pequenas, como o corte de cabelo ou o estilo de roupa, mas de grandes coisas. Mudar, mudar, mudar pra continuar sendo eu mesma, pra não me perder de mim mesma.
Mexer no que anda me incomodando. Me procurar onde nunca estive e que em meus pensamentos acho que me daria muito bem. É como se eu estivesse diante de um novelo de linha muito, mas muito enrolado e não soubesse como começar a desembaraçá-lo. É como se eu quisesse mergulhar no silêncio lá de fora, mas aqui, em cima do trampolim tenho medo do salto.

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sexta-feira, 10 de julho de 2009

O novo professor de Literatura

Era uma manhã como todas as outras e no intervalo de uma aula e outra, ela estava de costas para a porta da sala conversando com as amigas. Toda a turma esperava pelo novo professor de Literatura, já que o antigo havia se demitido na semana anterior. Ela sorria da história da colega quando toda a classe silenciou. Sentiu uma presença muito forte que passava atrás dela. Ele havia chegado. Virou-se e o viu.

O professor, para a surpresa dela, era bem mais novo que os outros professores. Ele tinha olhos penetrantes e olhava para ela. Não sabia o que fazer, parecia que tudo a sua volta havia sumido, não podia mais escutar os colegas de classe, não conseguia nem mesmo pensar direito, as mãos suavam e o coração batia forte. Sentou.

Passou a aula toda reparando nele. O sorriso, a mão que não parava, os cabelos negros caindo sobre a testa e a empolgação com que falava sobre Literatura. Os poemas pareciam ganhar alma na voz dele. A aula terminou e na saída, eles se esbarraram na porta. Se olharam, trocaram sorrisos e se foram.

Com o tempo, as aulas de Literatura ganharam um espaço enorme na vida dela. Agora ela lia cada vez mais, estudava com afinco as lições e estava sempre na biblioteca ou na livraria procurando um novo livro. E por causa disso, se tornou a melhor aluna da classe daquele professor. Era impossível não recorrer a ela quando toda a turma se mostrava silenciosa diante de alguma pergunta.

Com o tempo, os dois foram se aproximando e ele passou a indicar livros e filmes para ela. Às vezes no intervalo das aulas ou na volta para casa ele contava para ela sobre os filmes que gostava de assistir e falava da beleza das mulheres do cinema.

Durante os próximos três anos, ela tentou fazer-se notada. Cada vez que ele elogiava uma daquelas artistas de cinema, ela tentava imitar algo nelas: o cabelo, o vestido, o jeito de falar. Também leu todos os livros que ele indicou. Começou a escrever poemas e contos. Participava das aulas. Mas ela sentia que ele a via apenas como uma aluna e ela queria mais.

O segundo grau acabou. Naquele dia ela foi à escola só para se despedir dele. Se abraçaram e ela finalmente tomou coragem para perguntar:

- Quer sair comigo hoje?

Nesse momento sentiu que as bochechas coraram de vergonha.

- Não posso. Tenho um encontro com uma moça chamada Audrey.

Ela deu um sorriso forçado, disse até logo e saiu. Aquele foi o último dia dela na cidade. Se mudou para fazer faculdade.

Anos depois ela se tornou diretora de cinema. Era o quinto filme que lançava com sucesso. Logo depois da estreia, ela conversava com algumas pessoas que a parabenizavam quando viu uma figura que vinha em sua direção. Mesmo de longe ele chamou a atenção dela. Não sabia o que fazer, parecia que tudo a sua volta havia sumido, não podia mais escutar as pessoas que falavam com ela, não conseguia nem mesmo pensar direito, as mãos suavam e o coração batia forte. Sorriu. Era ele!

Ele se aproximou:

- Lembra de mim?

Como não lembraria? Ele continuava o mesmo, um pouco mais velho, mas era o mesmo. O olhar ainda era aquele penetrante de antes. Conversaram por horas.

Ela não podia deixar de perguntar:

- E você se casou com aquela moça chamada Audrey?

Ele riu copiosamente. E ela já estava ficando nervosa quando ele conseguiu responder:

- Você ainda lembra daquilo? Sua boba, eu estava falando da Audrey Hepburn! Eu apenas ia assistir um filme dela e afinal, não podia sair com uma aluna minha.

Ele se foi. Voltou para a cidade onde se conheceram.

Meses depois ela bateu na porta dele.

- É que tenho um filme inédito pra te mostrar...

Ele assistiu atento a história de uma aluna apaixonada por um professor. E, de repente, o filme acabou na hora em que a mocinha, já grande, perguntava se o ex-professor queria namorar com ela.

- É que eu preciso da sua ajuda pra terminar o filme...

Ele se levantou a pegou pela mão e começaram a dançar. Ele cantava no ouvido dela:


"Vivia a te buscar
Porque pensando em ti
Corria contra o tempo
Eu descartava os dias
Em que não te vi
Como de um filme
A ação que não valeu
Rodava as horas pra trás
Roubava um pouquinho
E ajeitava o meu caminho
Pra encostar no teu..."

Música: Valsa Brasileira, de Chico Buarque e Edu Lobo.

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terça-feira, 7 de julho de 2009

Efêmero

Para as minhas inquietações e perguntas do último post recebi algumas respostas por e-mail ou aqui mesmo no blog. Alguns se limitaram a se solidarizar comigo, outros arriscaram responder, alguns disseram também se perguntar as mesmas coisas. Há ainda aqueles que compartilharam experiências. Outros me disseram que nunca vou encontrar essas respostas. Uma contribuição muito importante foi da Lian, que me falou sobre o texto "Por um casamento", de Rubem Alves. Ele diz: " Sentimentos não podem ser prometidos. Não podem ser prometidos porque não dependem da nossa vontade. Sua existência é efêmera. Só existem no momento.".
Reproduzo aqui uma das duas versões que achei do texto:

Por um Casamento (Rubem Alves)


Escrevo hoje para os que casam, por medo de que, fascinados pelo rito do casamento, se esqueçam de um outro rito importante.
O primeiro rito nasceu de uma mistura de alegria e tristeza.
A definição mais precisa deste rito, eu a ouvi da boca de um sacerdote: ‘Não é o amor que faz um casamento", disse ele, "são as promessas".
Assustei-me. Mas sabia que assim era, no civil, casamento-contrato, rito frio da sociedade, para definir os deveres e a partilha dos bens e dos males.
Sociedade é coisa sólida. Precisa de pedra, ferro e cimento. Garantias.
Para isso os contratos. E a substância dos contratos são as promessas.
Ele estava certo. "Não é o amor que faz o casamento. São as promessas".
Muitas são as promessas que os noivos podem fazer: prometo protegê-la, prometo cuidar de você na doença, prometo não humilhá-lo, prometo não maltratá-la, prometo dividir os meus bens. Atos exteriores podem ser prometidos.
Assim se fazem os casamentos: com pedra, cimento e ferro. Mas as coisas do amor não podem ser prometidas.
Não posso prometer que, pelo resto de minha vida, sorrirei de alegria ao ouvir o seu nome. Não posso prometer que, pelo resto de minha vida, sentirei saudades na tua ausência.
Sentimentos não podem ser prometidos. Não podem ser prometidos porque não dependem da nossa vontade. Sua existência é efêmera. Só existem no momento.
O outro ritual se faz com o vôo das aves, com a água, espuma e bolhas de sabão.
Secreto, para ele não há convites. Não precisa de altares.
Secreto foi o casamento de Abelardo e Heloísa, o mais belo amor jamais vivido ( proibido ).
Não há convites, nem lugar certo, nem hora marcada: simplesmente acontece.
"Amor é dado de graça / é semeado no vento / na cachoeira / no eclipse..." (Drummond ).
"Como é formosa, como és formosa! Há mel em tua boca". ‘"O teu rosto é um canteiro de bálsamo e os teus lábios são lírios..." ( Bíblia Sagrada )
"Eu sei que vou te amar / por toda a minha vida eu vou te amar / em cada despedida eu vou te amar / desesperadamente eu sei que vou te amar..." ( Vinicius ).
Que o sorriso de um seja, para outro, festa, mel, doce de coco, peixe assado, onda salgada do mar..
Que as palavras do outro sejam tecido branco, vestido transparente de alegria, a ser despido por sutil encantamento...

sábado, 4 de julho de 2009

Cuidando de mim

Em 2007 a artista francesa Sophie Calle lançou a instalação “Prenez Soin de Vous” (“Cuide de Você”), em que 107 mulheres analisavam o e-mail que Sophie recebeu do namorado Grégoire Bouillier como forma de rompimento do relacionamento. O título de “Cuide de Você” se remete à última frase do e-mail de Grégoire. Depois de exaltar a namorada (o que todo mundo faz nos fins de relacionamento), dizer o quanto o namoro foi importante para a vida dele e afirmar que não poderia ser fiel a ela, Grégore termina com o singelo Cuide de você.
A exposição chega agora ao Brasil nesse mês e pode ser vista no Sesc Pompeia, de São Paulo, entre dez de julho e sete de setembro. A artista plástica e o ex-namorado, que é escritor, também participam da Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty.
Eu soube dessa exposição logo depois do término do meu namoro. Meu ex terminou comigo por mensagem de celular no Dia dos Namorados. Assim mesmo, sem cara a cara, sem olho no olho, sem nem mesmo com o som da voz dele. Uma acusação feia e que não era verdade, um “agora acabou” e no final um perplexo (para mim) “boa tarde”.
Acho que qualquer fim de relacionamento é difícil, mas os que terminam por meio da tecnologia são mais cruéis. Sem chance de conversa, uma decisão unilateral e pronto. É claro que depois conversamos (porque eu fui atrás), e é claro que ouvi o clássico “você foi muito importante pra minha vida, me mostrou muita coisa, o problema não é você, você é uma pessoa fantástica” e para não deixar de ser clichê, no fim da conversa: “podemos ser amigos, se você quiser”.
Vocês devem estar se perguntando a razão de eu estar me expondo dessa maneira. Há uma única razão: busco respostas.
É que eu fico aqui me questionando sobre a responsabilidade e a capacidade de relacionamento que as pessoas tem. Como é que se faz juras de amor, promete casamento, planeja um futuro juntos num mês e tudo termina no outro?
A resposta do meu ex para a pergunta foi algo como sonhos são assim mesmo, construímos num dia e eles não se realizam depois. Mas isso não me preenche, não responde as minhas inquietações. Não é que tudo necessariamente deva sair como planejamos, mas não vejo verdade num sonho que deveria ser duradouro e que muda tão rápido.
Onde está a responsabilidade emocional das pessoas? Será que os relacionamentos estão fadados a isso mesmo? Será que numa época em que as pessoas ficam hoje com uma, amanhã com outra e não se prendem a ninguém, querer algo duradouro e estável é antiquado?


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quarta-feira, 1 de julho de 2009

João e Maria

Às vezes, como hoje, tenho saudade da infância. Não do tempo em que eu era criança, mas da inocência da infância. Tenho saudade do tempo em que podia acreditar que tudo ia acabar bem, de acreditar que os adultos são capazes de nos proteger, de um simples abraço ser capaz de nos deixar seguros, de poder sonhar em ser qualquer coisa e poder ser (mesmo que fosse por alguns instantes), de não acreditar em maldades e do maior medo ser o medo do bicho papão...

É apenas uma música... mas pode ser algo mais para quem olha com olhos do coração.

João e Maria

Composição: Chico Buarque/ Sivuca

Agora eu era o herói
E o meu cavalo só falava inglês
A noiva do cowboy
Era você além das outras três
Eu enfrentava os batalhões
Os alemães e seus canhões
Guardava o meu bodoque
E ensaiava o rock para as matinês

Agora eu era o rei
Era o bedel e era também juiz
E pela minha lei
A gente era obrigado a ser feliz
E você era a princesa que eu fiz coroar
E era tão linda de se admirar
Que andava nua pelo meu país

Não, não fuja não
Finja que agora eu era o seu brinquedo
Eu era o seu pião
O seu bicho preferido
Vem, me dê a mão
A gente agora já não tinha medo
No tempo da maldade acho que a gente nem tinha nascido

Agora era fatal
Que o faz-de-conta terminasse assim
Pra lá deste quintal
Era uma noite que não tem mais fim
Pois você sumiu no mundo sem me avisar
E agora eu era um louco a perguntar
O que é que a vida vai fazer de mim?

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Óculos escuros

Pegou o comprimido para dor. Sentia muita dor no peito, talvez passasse. O colocou vagarosamente na boca. Para ajudar a engolir, Absinto, com três cubos de açúcar dentro.
Viu o porta retratos refletido no copo. Andou até a mesa, olhou para a foto. Os dois sorriam, era um dia ensolarado.
"Acabou", murmurou.
Foto e porta retrato voaram até a parede. Ela se abaixou, pegou os pedaços de vidro que restaram e pensou que nada mais se colaria dali em diante. Rasgou a foto.
Havia desaprendido a se comunicar. Nada mais fazia sentido. As pessoas falavam, falavam e ela não acreditava em mais nada. Todos os sonhos, todas as vezes que acreditou na bondade dos outros, todas as vezes que teve esperança, tudo tinha voado pela janela ou saído na sacola com as coisas dele.
Finalmente ela tinha aprendido o que ele tentou ensinar a ela por todos esses anos: "As pessoas são capazes de tudo. Principalmente das coisas ruins". Não é isso? Pois bem, ela aprendeu a dureza do coração de algumas pessoas.
Colocou os óculos escuros, com eles se sentia invisível. Desceu pelas escadas e ganhou as ruas.

sábado, 16 de maio de 2009

Imaginação

"Os contos de fada são assim. Uma manhã, a gente acorda e diz: 'era só um conto de fadas...' E a gente sorri de si mesmo. Mas, no fundo, não estamos sorrindo. Sabemos muito bem que os contos de fadas são a única verdade da vida."
Antoine de Saint-Exupéry

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Vida real

Vi na rua uma menina de no máximo quatro anos que falava ao celular. Feliz ela chamava pelo pai e lhe contava histórias. Tudo seria normal se encostado ao ouvido ela tivesse um telefone. É que na verdade ela falava com um folder de propaganda de aparelhos celulares.
Ah, a imaginação!


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terça-feira, 21 de abril de 2009

O restaurante branco onde se serve passado

Ela veio cansada do trabalho. Teria que almoçar sozinha, o que lhe causava desânimo. Aliás, nos últimos tempos, tudo lhe causava desânimo. O trabalho já não era mais o que ela queria, as brigas constantes com o marido a entristeciam cada vez mais e uma leve tristeza já fazia parte do olhar.
Ao virar a esquina, viu a placa de um restaurante. Estranho, nunca o havia visto naquele lugar. A casinha branca e simples chamava a atenção. Decidiu parar para almoçar. Adentrou o pequeno portão que separava a rua do jardim. Orquídeas roxas eram banhadas pelo sol, uma brisa suave tomava conta de tudo.
A construção antiga era aconchegante. Mesas e cadeiras delicadas mobiliavam o local. Fotos antigas nas paredes davam um ar nostálgico a tudo aquilo. Pela janela dos fundos pode ver jabuticabeiras.
Um garçom veio atendê-la. Pediu strogonof de frango e um refrigerante. Enquanto esperava, pensava na vida. Nas contas do fim do mês que já estavam vencendo, na falta de dinheiro, no relacionamento com o marido e no trabalho.
Estava perdida nesses pensamentos quando colocaram o prato em cima da mesa. Mas aquele não era seu pedido. Levantou os olhos para reclamar e, surpresa, deu de cara com a avó, que sorridente a olhava.
Como podia ser? A avó havia morrido há anos. Mas ela não teve medo, muito pelo contrário. Sentiu-se feliz. Olhou para o prato e viu que aquela era a sopa que só a avó sabia fazer. Era a sopa de sua infância. O prato especial para meninas especiais, como a velhinha costumava dizer.
A senhora sentou-se na cadeira em frente à neta e conversaram por horas. Lembraram das travessuras de criança e de como a avó acobertava e protegia a menina. Riram juntas, cantaram como antigamente e acariciaram-se.
Como sempre fazia, a avó levantou-se da mesa, pegou o prato já vazio, deu um beijo na neta e caminhou até a cozinha. A mulher não pode mais seguir a velhinha com os olhos, já que alguém a chamava pelo nome.
Ela olhou para o lado e viu um homem com uma flor na mão. Aquelas feições eram de alguém que ela conhecia, mas não se lembrava de quem eram. Ele, sorrindo, continuou a ofertar o presente.
Ela estendeu a mão e quando segurou a flor lembrou-se. Guilherme. Aquele era Guilherme, o namoradinho da infância. Na mesma hora, uma valsa começou a tocar. Era a música que eles haviam dançado no aniversário de quinze anos dela. Eles tinham se preparado por meses e mesmo assim ele errara os passos na hora da festa. Ela riu e os dois começaram a dançar.
A música acabou e Guilherme a beijou no rosto. Ele a fitou profundamente e disse: “Lembre-se de quando era criança”. Ela balançou a cabeça afirmativamente e ele se foi pela porta dos fundos.
Ela ficou ali parada por alguns minutos tentando entender o que havia acontecido. Não havia o que entender. Sentiu um alívio no peito. Saiu.

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segunda-feira, 6 de abril de 2009

A história de Goiás debaixo da lona do picadeiro

Foto: Layza Vasconcelos

Muitas crianças e adultos esperavam ansiosos pelo espetáculo. Como seria a história de Goiás contada dentro do circo?
E o espetáculo foi como deveria ser: com muita palhaçada, malabarismos, piruetas, música e é claro alegria. Os jovens que fazem parte do Circo Lahetô contaram a história do nosso Estado por meio de números circenses.
Os palhaços Linguiça e Palito são o elo de ligação entre Goiás caipira e Goiás Country. O estado que dança catira, que tem coronéis, roça e moças na janela em contraponto com aquele que tem trânsito congestionado, que dança country e é moderno.
A apresentação começa com tochas de fogo. Bolas de fogo são sopradas na direção da platéia. As crianças gritam muito. E os gritos misturados com a escuridão, que é cortada pelo fogo, deixa a cena emocionante.
Depois entram os índios, nossos primeiros moradores. Pequenas crianças com grandes pernas de pau representam como esses povos viviam até a chegada do homem branco.
O encontro dos portugueses com os nativos é marcado pela violência. Correria no picadeiro. Cambalhotas, piruetas e saltos para escapar do inimigo. Mas ao final, as armas vencem e os índios são mortos.
A parte de mágica fica à cargo do Anhanguera. Esse mesmo, o Diabo Velho, que colocou fogo na cachaça e falou que era água para amedrontar os índios. O Anhanguera é assustador. Alto (também usa perna de pau), magro, com uma roupa cinza e barbudo.
E assim vamos percorrendo os tempos. As fazendas, as plantações, a vida do homem do campo. E de repente, os milhos da roça se tornam objetos para malabares. As árvores são meninas que se equilibram em uma pequena tábua sobre cilindros.
Uma das partes mais bonitas e meigas é a das meninas trapezistas. São três artistas que representam as namoradeiras das janelas dos casarões antigos. Elas bailam no ar enquanto os rapazes as observam e as cortejam no chão.
Goiás dos coronéis (número de palhaços) e dos meninos criados soltos (número de tecido acrobático). E, enfim, Goiás da modernidade. O transito caótico é representado pelos monociclos. Monociclos de todos os tamanhos. E ao final, a catira na perna de pau.
Vinte e dois artistas compõem o espetáculo. Amadores e profissionais unidos para levar ao público um pouco de nossa história no espetáculo que se chama “História de Goiás no Picadeiro”, com direção geral de Maneco Maracá.
Um jeito divertido de conhecer um pouco mais a nossa origem. Se espetáculos pudessem ser colocados em caixinhas e dados de presente, com certeza eu ofertaria “História de Goiás no Picadeiro” pra muita gente por aí.

Obs.: Esse espetáculo será apresentado nas cidades de Anápolis, Pirenópolis, Aparecida de Goiânia, Alto Paraíso, Goiás, Rio Verde, Jataí e Mineiros, entre 17 de abril e 28 de junho.

Quem quiser saber mais sobre o Circo Lahetô e o projeto social que ele realiza é só acessar o site: www.circolaheto.org

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segunda-feira, 30 de março de 2009

Se ele não está tão a fim de você, alguém pode estar


Tem uma música do Décio Marques que fala assim: “Era uma vez uma princesinha que beijou um sapo e virou uma ranzinha”.
Ultimamente tenho achado que é por aí mesmo. Ao invés de escutarmos historinhas sobre princesas que se casam com príncipes maravilhosos e perfeitos, deveríamos aceitar a realidade (mesmo que ela seja dura). E a realidade é que nossos príncipes se moldam aos nossos olhos. Eles não vem prontos e não são perfeitos.
Domingo assisti “Ele não está tão a fim de você” (He's Just Not That Into You, EUA, Alemanha, 2009). Filme que deveria ser obrigatório para toda mulher, principalmente as românticas.
O longa mostra a eterna busca pelo par perfeito e como nós mulheres nos iludimos com isso. O negócio é o seguinte: se ele não ligou, se não te procurou, não se iluda. Não fique pensando que ele está ocupado, que a avozinha dele está doente, que o moço pode ter sido atropelado ou abduzido. Ele simplesmente não está a fim de você.
Ainda tem aquele tipo que para se livrar do relacionamento aparece com aquela: você é tão maravilhosa que eu não te mereço. Querida, se ele te achasse tão boa assim como ele está falando, ele ia querer ficar com você e não te deixar!
E eu fico aqui pensando em quantas vezes nos deixamos abater por isso. Em quantas vezes acreditamos que depois daquela pessoa não existirá outra. Em como nos deixamos de lado por causa de uma pessoa que simplesmente não está interessada.
E enquanto nos fixamos em quem não está interessado, fechamos as portas para as coisas possíveis, para os nossos sapinhos que vão nos fazer sentir como rãs (mas felizes). Se ele não está tão a fim de você, alguém pode estar!

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quinta-feira, 19 de março de 2009

“Preciso olhar”, a versatilidade em cena

Fotos: Rubens Cerqueira

Eles já foram trapaceiros no “Cabra que matou as cabras”, contadores de causos em “Carro caído”, loucos no “Alienista”, bonecos em “Envelopes”, governadores e escravos em “Seu Palácio conta estória”, isso dentre tantas outras coisas... Agora eles são Hélio Fróes, Adriana Brito, Izabela Nascente e Lázaro Tuim procurando uma identidade em “Preciso Olhar”.
Gente como a gente. Hélio tem hiperhidrose, Adriana assiste filmes antigos, Izabela se prostitui para suas personagens e Tuim tem vergonha dos quilinhos a mais. E tudo isso em cena. Os atores se desnudam no palco. Pra falar a verdade, essa é a palavra: desnudar.
A peça, com direção de Henrique Rodovalho, começa com a projeção de um vídeo em que aparecem os quatro atores, cada um em um canto da tela. Uma parte do corpo de cada vez. Vamos descobrindo os olhos, a boca, o peito, a barriga, a perna, as cicatrizes e tatuagens de cada um. Partes de um todo.
Seres humanos dotados de capacidade de se socializar, principalmente se o motivo for bom, isto é: uma fêmea. Bem vindos ao Discovery Channel da Cia. Nu Escuro, uma voz, muito parecida com a de programas sobre vida animal, narra as ações dos atores na primeira cena, que se mostram exímios representantes de nossa espécie.
Os atores fazem parte de um mundo particular que transforma cada um de nós e caracteriza nosso regionalismo. Quatro pessoas que representam o todo. Do planeta Terra à Goiás, somos um Estado cercado por outros cinco. Temos cidades terminadas com “lândia”, como Damolândia, Doverlândia, o Distrito Federal está em nosso território e ainda há as turísticas Caldas Novas, Goiás e Pirenópolis. Goianos do pé rachado, que se transformaram, deixaram o carro de boi de lado e agora andam de Hilux e escutam Leonardo.
E se tem a busca por uma identidade como ser humano e como um ser inserido em uma sociedade, tem também a busca de uma identidade enquanto atores. Tudo começa com uma cena narrada por Adriana Brito, com direito a avião caindo, um casal brigão, um amigo intrometido, um outro que vive debaixo da saia da avó, uma velha que só fala de doenças e uma aeromoça que usa de toda a sua sensualidade para mandar os passageiros colocarem o cinto de segurnaça. Depois de toda essa mistureba os atores resolvem questionar o teatro.
Essa é uma das melhores partes da peça. Nesse momento a companhia mostra que conhece e transita bem por diferentes tipos de teatro, do apelo sexual de Nelson Rodrigues à grande expressividade do teatro de rua em uma única frase.
Com essa peça, a Cia. Nu Escuro mostra mais uma vez que tem uma identidade versátil, capaz de combinar diferentes linguagens e que atores e direção estão afinados, trabalhando em perfeita harmonia. Quem não assistiu a peça, precisa olhar...

“Preciso olhar” estreou dia 15 de março no Teatro Goiânia.

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sábado, 14 de março de 2009

Só podia dar nisso


Uma cidade cuja praia é um shopping; um centro de memória e referência vai ser desabrigado para dar lugar ao INSS; os teatros ficam em temporada no máximo um fim de semana; as pessoas só assistem no cinema os filmes que recebem mais divulgação; o maior lazer é o boteco; os jogos dos maiores times (Vila Nova e Goiás) terminam ou em pancadaria ou em morte; os vereadores trabalham (ou melhor dizendo, não trabalham) para ganhar o décimo quarto e o décimo quinto salários; que ainda tem um vereador que se veste de anjinho, um prefeito babão e um governador (ah, deixa pra lá, né?) só podia dar nisso: aviões sequestrados, adolescentes fatiadas por Mohamed Picadinho D’Ali, crianças torturadas por Sílvia Calabrese e ainda um depressivo que para suicidar em grande estilo joga um avião (com a filha dentro) no estacionamento do maior shopping da cidade.

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domingo, 1 de março de 2009

Como um anjo sem asas

Um anjo sem asas queria voltar para casa. "Mas como chegar ao céu?", se perguntava todos os dias.
Tentou avião, helicóptero e até mesmo um elevador. Nada subia suficientemente. Resolveu ser astronalta, mas só chegou até o espaço.
"Como alcançaria o paraíso?"
Um dia, quando já havia desistido de tantas invensões e maluquices. Já estava até conformado em viver na Terra. Estava andando meio destraído. Caiu num buraco bem fundo, bateu a cabeça e voltou pro céu.

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quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Chuva

Não conseguia ver nada além do céu escuro
A água batia com força nas janelas
Lá embaixo os pedestres fugiam
Os carros passavam apressados
Quando chove assim,
alguém deve estar triste por dentro
Cada lágrima que cai do céu diz:
“Tenho medo. Para onde vamos?”
O vento responde:
“Não sei. Não sei”
Por um segundo um raio acaba com o diálogo.

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sábado, 21 de fevereiro de 2009

Eu te amo

Os pés foram perdendo as asas
A cabeça desceu das nuvens
Encostou-se no travesseiro
Agora podia tocar a realidade
Alguém murmurou baixinho: Eu te amo...

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quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Darwin, a Força Jovem e os neonazistas

Se um ser humano pudesse viver mais de cem anos, hoje Charles Darwin completaria 200. O naturalista é o pai da Teoria da Evolução, aquela que defende que as espécies se adaptam e mudam ao longo dos tempos. Ele descobriu, estudou e comprovou a seleção natural das espécies. Além do mais, segundo Darwin, nós e os chipanzés teríamos um ancestral em comum. As teorias do naturalista jogaram a supremacia da raça humana, que até o século XIX se achava superior por ter sido criada por Deus, por terra.
Hoje em dia, alguns cientistas defendem que a evolução dos seres humanos estagnou, já que somos capazes de construir aparelhos e inventos que nos ajudam na adaptação aos lugares, sem precisar da seleção natural. Portanto, só estaríamos evoluindo culturalmente. Já outro grupo de estudiosos acredita que geneticamente estamos evoluindo sim. Para ser mais precisa, eles afirmam que ao menos 7% dos genes humanos sofreram evolução nos últimos cinco mil anos.
Estava aqui lendo sobre essas teorias e pensando: Acho que tem gente que não evoluiu não. Dois fatos nessa última semana me levam a pensar dessa maneira.
O primeiro fato foi o assassinato em Goiânia de três jovens: Rafael Vieira Figueiredo, de 17 anos, Jaderson de Souza, também com 17 anos, e Ari Aranha Júnior, de 22 anos. Eles faziam parte da Esquadrão Vilanovense e foram mortos por integrantes da Força Jovem. Daí eu me pergunto: Vale a pena matar e morrer por causa de time de futebol?
O segundo fato da semana foi a agressão sofrida pela brasileira Paula Oliveira na Suíça. Ela foi espancada e sofreu vários ferimentos feitos com estilete por um grupo de neonazistas. Paula perdeu os bebês que estava esperando. E aí, xenofobia a essa altura do campeonato?
É, parece que alguns seres humanos ainda se sentem superiores e o pior não é só supremacia a outras espécies, eles se sentem superiores a outros seres humanos. Atitudes como essas fariam até mesmo os chipanzés corarem de vergonha...


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sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Me poupem!

Trinta crianças que moram na invasão do Residencial Itaipu estavam sem estudar simplesmente porque a escola não aceitava matriculas de quem não tem comprovante de endereço.
Será que alguém esqueceu de avisar pro pessoal do colégio que quem mora em barraco de lona e madeira não tem luz elétrica, nem água encanada e muito menos telefone? Como é que eles vão apresentar os talões para comprovar endereço (pra falar a verdade, nem endereço eles têm)?
A Secretaria de Educação, depois que a imprensa entrou no meio, disse que foi um mau entendido. Seria se tivesse acontecido com uma, até duas crianças, mas com 30? Me poupem!

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terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Carta para Paulo

Paulo,

Não, essa não era a carta que eu queria ler. Mas meu coração já esperava algo assim depois de semanas sem que você me escrevesse.
Quando li sua carta achei que fosse sair por aí como louca gritando por seu nome. Poderia também te maldizer nos quatro cantos da cidade. Quem sabe seria melhor te escrever lembrando do quanto te implorei para não ir e que havia te advertido dos perigos da cidade grande. Poderia suspirar e chorar por você em cada badalada dos sinos de nossa vila. Resolvi que não. Nada disso.
Se é um filho que te prende aí, saiba que tem outro te esperando aqui.

Ass,
Catarina.

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quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Carta para Catarina

Querida Catarina,

Essa não é a carta que você esperava. Não pense que é a que eu gostaria de escrever, mas as circunstâncias quiseram assim... É delicada nossa posição, já que há um ano estou aqui trabalhando e não consigo juntar dinheiro para ir vê-la.
Bem sabes que a cidade grande traz muitos atrativos que em nossa vila não há. Você bem que me advertiu dos perigos e ilusões desse oásis, mas, como sempre, não segui seus conselhos.
Creio que depois desta carta não mais me escreverá. Se bem a conheço, guardará para sempre meu nome nas trevas do esquecimento. Saiba que ainda te amo. Antes de tudo saiba que eu te amo.
Às vezes é como se você chegasse em minha casa. Posso sentir o seu cheiro, ouço a sua voz e quando abro os olhos é somente o vento. Muitos quilômetros nos separam. Dias, meses e agora um ano nos distanciam. Ainda me lembro da última vez que nos vimos. Na nossa despedida você disse que contaria cada segundo pela minha volta. Nunca te vi tão linda...
Sei que já deve estar aflita para saber o motivo dessa carta, mas se assim procedo é por não saber como te contar...
Há cerca de quatro meses conheci uma mulher mais velha. O nome dela é Lúcia. Ela se aproximou de mim como uma amiga, dizia que me ajudaria a amenizar a falta que sinto de você. Confesso que com o tempo me deixei seduzir. O fato é que Lúcia está grávida e não há mais nada que eu possa fazer a não ser honrar o meu compromisso e me casar com ela.
Peço que me perdoe.
Para sempre seu,
Paulo

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domingo, 25 de janeiro de 2009

Desprezo

Havia chegado o dia da condenação no Tribunal Máximo dos Crimes de Amor. Ela estava lá, parada de frente ao juiz esperando a sentença. E então, na boca dele se formou a pena que ela mais temia: Desprezo eterno por parte de qualquer ser vivente desta terra.
Pelo resto da vida estaria condenada a vagar sem que ninguém a pudesse tocar, sem que dirigissem sequer um sorriso a ela, não ouviria mais palavras. Ela ficou em choque. Aterrorizada pensou nos abraços que não sentiria mais, nas bocas que não conversariam, num simples aperto de mão. Ela que sempre foi dada a demonstrações de carinho.
Lembrou-se de quando era pequena e se sentia desprezada pela mãe. Lembrou-se das vezes que chorava pedindo atenção. E agora, tudo se repetiria.
Nos próximos anos vagou pela cidade. Quando tentava conversar com as pessoas era como se ela se dirigisse ao vento. Não mereceu mais um olhar dentro dos olhos. Nem uma conversa. Esqueceu-se como era sentir uma mão acariciando os cabelos dela.
Um dia, logo ao amanhecer, a encontraram no meio da praça. Um caco de vidro na mão, no pulso do outro lado o sangue jorrava em contraste com o branco da pele, ela olhava para aquilo tudo e parecia não estar nem alegre nem triste. Já era tarde demais.


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