quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Carta para Catarina

Querida Catarina,

Essa não é a carta que você esperava. Não pense que é a que eu gostaria de escrever, mas as circunstâncias quiseram assim... É delicada nossa posição, já que há um ano estou aqui trabalhando e não consigo juntar dinheiro para ir vê-la.
Bem sabes que a cidade grande traz muitos atrativos que em nossa vila não há. Você bem que me advertiu dos perigos e ilusões desse oásis, mas, como sempre, não segui seus conselhos.
Creio que depois desta carta não mais me escreverá. Se bem a conheço, guardará para sempre meu nome nas trevas do esquecimento. Saiba que ainda te amo. Antes de tudo saiba que eu te amo.
Às vezes é como se você chegasse em minha casa. Posso sentir o seu cheiro, ouço a sua voz e quando abro os olhos é somente o vento. Muitos quilômetros nos separam. Dias, meses e agora um ano nos distanciam. Ainda me lembro da última vez que nos vimos. Na nossa despedida você disse que contaria cada segundo pela minha volta. Nunca te vi tão linda...
Sei que já deve estar aflita para saber o motivo dessa carta, mas se assim procedo é por não saber como te contar...
Há cerca de quatro meses conheci uma mulher mais velha. O nome dela é Lúcia. Ela se aproximou de mim como uma amiga, dizia que me ajudaria a amenizar a falta que sinto de você. Confesso que com o tempo me deixei seduzir. O fato é que Lúcia está grávida e não há mais nada que eu possa fazer a não ser honrar o meu compromisso e me casar com ela.
Peço que me perdoe.
Para sempre seu,
Paulo

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domingo, 25 de janeiro de 2009

Desprezo

Havia chegado o dia da condenação no Tribunal Máximo dos Crimes de Amor. Ela estava lá, parada de frente ao juiz esperando a sentença. E então, na boca dele se formou a pena que ela mais temia: Desprezo eterno por parte de qualquer ser vivente desta terra.
Pelo resto da vida estaria condenada a vagar sem que ninguém a pudesse tocar, sem que dirigissem sequer um sorriso a ela, não ouviria mais palavras. Ela ficou em choque. Aterrorizada pensou nos abraços que não sentiria mais, nas bocas que não conversariam, num simples aperto de mão. Ela que sempre foi dada a demonstrações de carinho.
Lembrou-se de quando era pequena e se sentia desprezada pela mãe. Lembrou-se das vezes que chorava pedindo atenção. E agora, tudo se repetiria.
Nos próximos anos vagou pela cidade. Quando tentava conversar com as pessoas era como se ela se dirigisse ao vento. Não mereceu mais um olhar dentro dos olhos. Nem uma conversa. Esqueceu-se como era sentir uma mão acariciando os cabelos dela.
Um dia, logo ao amanhecer, a encontraram no meio da praça. Um caco de vidro na mão, no pulso do outro lado o sangue jorrava em contraste com o branco da pele, ela olhava para aquilo tudo e parecia não estar nem alegre nem triste. Já era tarde demais.


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sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Amar é estar cativo

"_ Que quer dizer cativar?
- É algo quase sempre esquecido, significa criar laços...
- Criar laços?
- É, se tu me cativas teremos necessidade um do outro, serás para mim único no mundo. Se tu me cativas minha vida será como cheia de sol...os teus passos me chamarão para fora da toca, como se fosse música... A gente só conhece bem as coisas que cativou...
- Que é preciso fazer?
- É preciso ser paciente. Cada dia te sentarás um pouco mais perto...E assim, se tu vens às 4 da tarde, desde às 3 começarei a ser feliz, as 4, então, estarei inquieta e agitada, descobrirei o preço da felicidade...Eis o meu segredo, só se vê bem com o coração: o essencial é invisível aos olhos... Foi o tempo que perdeste com a tua rosa que a fez tão importante...os homens esqueceram essa verdade, mas tu não a deves esquecer, tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas..."

Esse é um diálogo entre a raposa e o Príncipe, na obra “O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exuperry. Fico aqui pensando nesse trecho do livro e também quando Camões diz que amar “É estar-se preso por vontade”.
Talvez seja isso. Amar é como criar um pássaro. Vamos cativando aos poucos, no começo é tudo muito bom, só vemos as qualidades. Depois, descobrimos os defeitos. Alguns param por aí e abrem a gaiola, deixando assim que o animal voe, talvez por ser difícil demais encarar que o outro é tão imperfeito como nós.
Outros prosseguem criando e alimentando o pássaro, isto é, nutrindo a relação de companheirismo e amor. E um dia, espantosamente, quando estamos longe de casa, nos lembramos que saímos e deixamos a gaiola aberta. Com certeza o animal se foi. Alçou outros voos à procura de outros donos e de outros céus. Mas espantosamente, quando chegamos em casa, com o coração apertado, ele está lá à nossa espera cantando na porta da gaiola.
Talvez amar seja só isso, ser um cativo liberto e não se sentir numa gaiola. É esperar o dono cantando.


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domingo, 11 de janeiro de 2009

O amor que enlouqueceu

- Quem é você?
- Um amor que enlouqueceu…
O amor estava parado na minha frente. Tinha forma de mulher. Olhos sem brilho, que saltavam de enormes olheiras. Estava pálido, esquálido, com os ossos à mostra. Não tinha fome, nem sede, nem sono. Não falava coisa com coisa, recitava cacos de poemas, histórias desencontradas, recontava as ações, esquecia os fatos. Enlouqueceu de tanta ilusão.
- Vai com Deus.
- Pra onde?
- Sei não...


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sábado, 10 de janeiro de 2009

No meu coração não cabem nem as minhas dores

Estou numa fase de poemas. Se algum deles fosse feito pra me traduzir, seria um de Drummond, chamado "Mundo Grande". O que fazer com esse coração?


Mundo Grande
Carlos Drummond de Andrade

Não, meu coração não é maior que o mundo.
É muito menor.
Nele não cabem nem as minhas dores.
Por isso gosto tanto de me contar.
Por isso me dispo,
por isso me grito,
por isso freqüento os jornais, me exponho
cruamente nas livrarias:preciso de todos.

Sim, meu coração é muito pequeno.
Só agora vejo que nele não cabem os homens.
Os homens estão cá fora, estão na rua.
A rua é enorme. Maior, muito maior do que eu esperava.
Mas também a rua não cabe todos os homens.
A rua é menor que o mundo.
O mundo é grande.

Tu sabes como é grande o mundo.
Conheces os navios que levam petróleo e livros,
carne e algodão.
Viste as diferentes cores dos homens,
as diferentes dores dos homens,
sabes como é difícil sofrer tudo isso, amontoar tudo isso
num só peito de homem...sem que ele estale.

Fecha os olhos e esquece.
Escuta a água nos vidros,
tão calma. Não anuncia nada.
Entretanto escorre nas mãos,
tão calma! Vai inundando tudo...

Renascerão as cidades submersas?
Os homens submersos-voltarão?
Meu coração não sabe.
Estúpido, ridículo e frágil é meu coração.
Só agora descubro
como é triste ignorar certas coisas.
(Na solidão de indivíduo
desaprendi a linguagem
com que homens se comunicam).

Outrora escutei os anjos,
as sonatas, os poemas, as confissões patéticas.
Nunca escutei voz de gente.
Em verdade sou muito pobre.

Outrora viajei
países imaginários, fáceis de habitar,
ilhas sem problemas, não obstante
exaustivas e convocando ao suicídio.

Meus amigos foram às ilhas.
Ilhas perdem o homem.
Entretanto alguns se salvaram e
trouxeram a notícia
que o mundo, o grande mundo está
crescendo todos os dias,
entre o fogo e o amor.

Então, meu coração também pode crescer.
Entre o amor e o fogo,
entre a vida e o fogo,
meu coração cresce dez metros e explode.
-ó, vida futura! Nós te criaremos.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

O menino de outro planeta

Um dia conheci um menino de outro planeta. Veio num disco voador, desses não identificados, mas brilhantes, e pousou na janela do meu apartamento. Era um óvni pequeno, meio esquisito e fiquei ainda mais espantada quando ele saltou de lá. Era um menino assim, bem parecido com os terráqueos. E falava a minha língua.
Achei que estava sonhando e ele adivinhando meus pensamentos disse que não. Para mostrar que eu não estava errada colocou umas músicas pra eu dançar. Eu que não sou muito de duvidar, aceitei. Fazer o que se ele decidiu pousar justo na janela do 17º andar?
Ele me disse que tomava banho de água mineral junto com uns peixinhos que teimava em não comer. Lia uns livros esquisitos com cheiro de incenso e mofo que eu não pude deixar de reparar, mas até que gostei.
Fez cara de mau, mas eu logo saquei que aquilo era só pra se proteger de nós terráqueos. Eu disse que não acreditava naquela casca dura e rimos abraçados. Ordem, muita ordem era do que ele gostava. Um dia queria até por ordem no mundo! Aí eu disse: “Ah, deixa isso pra lá! Vai dar muito trabalho. Aceita as coisas que não podem mudar”. Não sei se ele me ouviu, mas achamos melhor ir comer sanduíche. Por falar em comida, ele ficou extasiado com sorvete de flocos e eu nem achei estranho, porque sorvete é bom mesmo.
Um dia cheguei em casa e ele estava meio penseiro, pensando em se mudar. Se um dia ele sumir, não preciso nem procurar. Vai estar na Índia, velhinho, vagando por algum lugar.
Ah, menino de outro planeta, deixa de história, vem cá me abraçar!

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sábado, 3 de janeiro de 2009

Livro novo de poemas

Me impressiono com o poder que alguns homens tem das palavras. É como se dançassem com cada letra, formando frases, estrofes, versos, poesias... Ganhei livro novo de poemas. Estou em êxtase...

“O pastor amoroso perdeu o cajado,
E as ovelhas tresmalharam-se pela encosta,
E, de tanto pensar, nem tocou a flauta que trouxe para tocar.
Ninguém lhe apareceu ou desapareceu... Nunca mais
encontrou o cajado.
Outros, praguejando contra ele, recolheram-lhe as ovelhas.
Ninguém o tinha amado afinal.
Quando se ergueu da encosta e da verdade falsa, viu tudo:
Os grandes vales cheios dos mesmos vários verdes de sempre,
As grandes montanhas longe, mais reais que qualquer sentimento,
A realidade toda, com o céu e o ar e os campos que existem,
E sentiu que de novo o ar lhe abria, mas com dor,
uma liberdade no peito”. (Alberto Caeiro)