segunda-feira, 21 de julho de 2008

O pipoqueiro do cinema

“Amor, quantos caminhos até chegar a um beijo,
que solidão errante até tua companhia!
Seguem os trens sozinhos rodando com a chuva.
Em Taltal não amanhece ainda a primavera.

Mas tu e eu, amor meu, estamos juntos,
juntos desde as roupas às raízes,
juntos de outono, de água, de quadris,
até ser só tu, só eu, juntos.

Pensar que custou tantas pedras que leva o rio,
a desembocadura da água de Boroa,
pensar que separados por trens e nações

tu e eu tínhamos que simplesmente amar-nos,
com todos confundidos, com homens e mulheres,
com a terra que implanta e educa os cravos.” (Pablo Neruda)

Ela terminou de ler os versos, fechou o papel e o comprimiu contra o peito. Seu coração batia descompassado. Ela sorriu e ficou a imaginar quem poderia ter deixado aquele bilhete. Deixou-se ficar na janela, a mesma em que ficava todos os dias, a mesma onde achara o bilhete com seu nome.
Do outro lado da rua, ele sorriu ao ver a cara de satisfação da amada. Há muito tinha notado um sentimento diferente cada vez que ela chegava perto daquela janela. E ele passava horas à fitá-la: seus cabelos longos e encaracolados, seus olhos curiosos, o riso fácil. Percebeu que era amor.
Ele, temendo ser rejeitado por ela, mas não conseguindo mais segurar tanto amor, decidiu fazer algo. Queria escrever uma carta. Tentou uma, duas, três vezes, a noite toda e nada era capaz de traduzir o que sentia. Mas a ajuda viria numa manhã chuvosa em que decidiu ir até a banca de revistas. Em meio a alguns livros usados, achou um que lhe chamou a atenção: “Cem Sonetos de Amor”, de Pablo Neruda. Com certeza, aquilo ajudaria.
Nos próximos dias, ela continuou recebendo os bilhetes. Sempre com poemas de Neruda. E ficava ali a imaginar quem poderia mandá-los. Pensou em todos os rapazes da pequena cidade. “Mas quem teria tanta sensibilidade para mandar coisas tão lindas?”. Uma semana depois, ela decidiu se esconder na sala até que o dono dos bilhetes viesse colocar mais um em sua janela.
Esperou, esperou, até que ouviu um barulho. Era ele. Enfim saberia quem a amava. Com o coração aos pulos, viu, surpresa, o pipoqueiro do cinema deixar um papel, o mesmo que já conhecia, no parapeito da janela. Ela já o tinha visto, é claro. O carrinho de pipocas ficava de lado de fora do cinema bem em frente a casa dela. Mas era como se ela nunca o tivesse percebido ou reparado.
Nos dias seguintes, como de costume, ela passou as tardes na janela, só que dessa vez ela estava concentrada no pipoqueiro do outro lado da rua. No começo, ela o achou engraçado, meio desengonçado, maluquinho até. Usava óculos, cabelos lisos. Sempre lendo um livro. Ela gostava quando ele brincava com as crianças. E assim, ela passou a observá-lo cada vez mais. E os bilhetes continuavam chegando.
Um dia, o pipoqueiro chegou para trabalhar e, no carrinho de pipoca tinha um bilhete com o nome dele.

“No meio da terra afastarei
as esmeraldas para divisar-te
e tu estarás copiando as espigas
com tua pluma de água mensageira.

Que mundo! Que profundo perrexil!
Que nave navegando na doçura!
E tu talvez e eu talvez topázio!
Já divisão não haverá nos sinos.

Já não haverá senão todo o ar liberto,
as maçãs transportadas pelo vento,
o suculento livro da ramagem,

e ali onde respiram os cravos
fundaremos um traje que resista
de um beijo vitorioso a eternidade” (Pablo Neruda)

Ele não acreditava no que acabara de ler. “Ela o tinha descoberto!”. Ele olhou para a janela e ela estava atravessando a rua.

3 comentários:

Rodrigo Alves disse...

Simples e original. Adorei. Abraços.

KK disse...

Qualquer pipoqueiro que se preze deveria alimentar diariamente sua amada!
Lindos poemas, lindo texto, lindo coração!!

Anônimo disse...

AMAR PODE SER MAIS SIMPLES QUE IMAGINAMOS...Gostei do que escreveu. Parabéns
Dulce